As primícias

A palavra “primícias” está sempre no plural, e provém do latim primitiae, assim designando “os primeiros frutos da terra, os primeiros animais de um rebanho, as primeiras produções ou os primeiros efeitos de algo contínuo, os primeiros sentimentos, felicidades, emoções e os começos, prelúdios de qualquer coisa em processo ou organizada em série” (dicionário Aulete).

Ela é usada várias vezes no Velho Testamento, especialmente com referência a uma festa para celebrar anualmente a primeira colheita, conforme o SENHOR ordenou a Moisés: “Fala aos filhos de Israel, e dize-lhes: Quando houverdes entrado na terra que eu vos dou, e segardes a sua sega, então trareis ao sacerdote um molho das primícias da vossa sega; e ele moverá o molho perante o Senhor, para que sejais aceitos. No dia seguinte ao sábado o sacerdote o moverá...” (Levítico 23:10-11). Note-se, então, que era no primeiro dia da semana, o nosso domingo.

Outros três sacrifícios e ofertas deviam ser feitos nessa ocasião, e em Números 28:26 a 31 temos mais instruções sobre esta festa, com mais detalhes sobre as ofertas e sacrifícios. Não vamos nos deter aqui com esses detalhes.

Mas sete semanas depois, portanto noutro domingo, o SENHOR ordenou que fosse feita nova oferta de cereais ao Senhor (Levítico 23:15,16). Ficou sendo conhecido como o dia de pentecoste (cinquenta dias).

Estes dois domingos são proféticos, e seu cumprimento se deu como segue:

1. O primeiro domingo, o das primícias, era símbolo do domingo da ressurreição do Senhor Jesus: “na realidade Cristo foi ressuscitado dentre os mortos, sendo ele as primícias dos que dormem” (1 Coríntios 15:20). Ele deu a Sua vida na cruz no dia da Páscoa, data fixada como o décimo quinto dia do primeiro mês do calendário israelita (Nisan), e portanto podia ocorrer em qualquer dia da semana. Não havia data fixa para a festa das primícias, apenas devia ser celebrada em um domingo na primeira colheita, a da primavera. Naquela ocasião aconteceu no domingo depois da semana em que se deu a páscoa, e foi neste dia que Ele ressuscitou.

Sendo “as primícias”, como explicar as várias outras ressurreições de que fala a Bíblia, desde o Velho Testamento? A resposta é que são diferentes: as ressurreições antecedentes consistiam em uma simples volta à vida natural, sendo que os mortos estavam como que dormindo, como aconteceu com Lázaro (João 11:11), e todos voltaram a morrer definitivamente mais tarde; a ressurreição do Filho de Deus foi a primeira em que “o que é corruptível se reveste da incorruptibilidade e isto que é mortal se reveste da imortalidade” (1 Coríntios 15:53), ou seja, o corpo humano nunca mais morre.

Enquanto outros passaram pelo primeiro tipo de ressurreição, em que voltaram a viver e depois morreram, somente Cristo até agora gozou da ressurreição permanente, e por isso é dito que Ele é “as primícias”. Mas o termo “as primícias dos que dormem” forçosamente determina que haverá mais da mesma série depois do inicial, que é o prelúdio.

Em 1 Coríntios 15:21 temos uma explicação da lógica da justiça divina: “Porque, assim como por um homem veio a morte, também por um Homem veio a ressurreição dos mortos”; só um ser humano podia morrer para então dar início à ressurreição dos mortos, e esse homem precisava ser isento de pecado para que a sua morte pudesse servir de castigo para o pecado de outros, que, assim justificados, poderiam se revestir da imortalidade.

No versículo seguinte é feita a identificação desses dois homens pioneiros, de quem advieram consequências para a humanidade em geral: “pois como em Adão todos morrem, do mesmo modo em Cristo todos serão vivificados”. Toda a humanidade está condenada à morte por causa de Adão, o primeiro homem, sem esperança de voltar à vida por si mesma porque não pode produzir um só homem sem pecado. Esta é a mais importante razão para a encarnação do Filho de Deus mediante nascimento como homem: mediante a ação do Espírito Santo, Jesus foi gerado de uma mulher sem interferência de homem. Assim não herdou o pecado de Adão. Em Sua perfeita justiça, compaixão, misericórdia e amor Deus pagou Ele próprio a pena do homem pecador através da morte do Seu Filho inocente.

Todos os que estão em Cristo são vivificados em um sentido espiritual: “Ele vos vivificou, estando vós mortos nos vossos delitos e pecados” (Efésios 2:1). Não somente são vivificados, mas ainda recebem imediatamente outras grandes bênçãos como a adoção de filhos, posição elevada, bem como futuros galardões etc. Com todos os justos de outras eras, eles farão parte da “ressurreição dos mortos” física do versículo de 1 Coríntios 15:21. O versículo 23 dá mais um detalhe: “Cada um, porém, na sua ordem: Cristo as primícias, depois os que são de Cristo, na sua vinda”.

Aqui é usada uma palavra grega tagma significando uma sequência militar, que é feita em certa ordem. Depois de Jesus Cristo, será a vez dos que “nasceram de novo” pelo Espírito Santo: são os crentes, os santos adotados como filhos de Deus, e reunidos à igreja de Cristo. Da mesma maneira que o Senhor Jesus, estes ressuscitarão quando Ele se manifestar para arrebatá-la da ira de Deus que virá sobre o mundo rebelde e incrédulo, e da “grande tribulação” de Israel. A eles se juntarão os seus irmãos, ainda vivos (1 Tessalonicenses 4:17), e todos serão semelhantes a Ele (1 João 3:2) e serão levados para estar com Ele para sempre.

Finalmente, depois da segunda vinda do Senhor Jesus Cristo, para destruir os inimigos de Israel e estabelecer o Seu reino milenar, será a vez da ressurreição dos santos do Velho Testamento e os da tribulação, que serão ressuscitados, para também estarem presentes a partir do milênio. Assim se completará a “primeira ressurreição” (Apocalipse 20:5 e 6).

Haverá ainda uma segunda ressurreição. Cerca de seis séculos antes da vinda de Cristo, Daniel recebeu do SENHOR a profecia que “... muitos dos que dormem no pó da terra ressuscitarão, uns para a vida eterna, e outros para vergonha e desprezo eterno” (Daniel 12:2). Os mortos desde o início da humanidade que não tiverem participado da primeira ressurreição comparecerão diante de “um grande trono branco” para serem julgados segundo as suas obras, e os que não tiverem seus nomes inscritos no Livro da Vida serão lançados no “lago de fogo” em terrível castigo eterno, chamado “a segunda morte” (Apocalipse 20:11 a 15).

2. O segundo domingo era símbolo do dia de pentecoste, sete semanas depois do domingo da Ressurreição; o Espírito Santo veio sobre a primeira igreja formada pelos discípulos do Senhor Jesus, reunida em Jerusalém naquele dia. Semelhantemente aos cereais ofertados pelos judeus nesse dia, este foi o primeiro tributo a Deus por Cristo de vidas resgatadas após a Sua morte e ressurreição. Neste mesmo dia houve milhares de conversões, dando um poderoso início ao cristianismo naquele mundo de judeus rebeldes e gentios idólatras.

autor: R David Jones.