Barba

Sem dúvida, muitos se surpreenderão com um relato sobre este assunto. Afinal, se acharem que não cabe num periódico sério como este boletim porque nada encontramos na Bíblia que lhe dê algum valor espiritual, dou-lhes toda a razão. Mas o motivo é que, apesar de sua aparente irrelevância, o tratamento dado a essa característica natural do homem tem sido levado a sério através dos tempos não só por religiões humanas, mas infelizmente também por algumas igrejas cristãs através dos tempos, mesmo sem respaldo bíblico.

Tendo Deus feito tudo bom no início, podemos aceitar como certo que Deus criou o homem com barba, mas ao fazer a mulher, a partir de uma das suas costelas, preferiu que ficasse sem uma. Apesar das perdas de informação genética através dos milênios essa característica foi mantida na grande maioria dos seus descendentes. Se havia um significado ou lição espiritual na barba não sabemos, pois não encontramos na Bíblia.

A primeira menção da barba na Palavra de Deus se encontra em Gênesis 41:14... “Então enviou Faraó, e chamou a José, e o fizeram sair logo da cova; e barbeou-se e mudou os seus vestidos, e veio a Faraó”. Isto nos diz que José tinha barba, mas barbeou-se para se apresentar ao rei dos egípcios. Talvez o estudo das antiguidades nos possa ajudar aqui: em seus monumentos antiquíssimos, os egípcios não têm barba, mas seus inimigos se veem barbudos. Os egípcios usavam cabelo curto e se barbeavam por uma questão de higiene, inclusive para evitar piolhos. José então se barbeou para ter boa apresentação, com roupa limpa e adequada, diante de Faraó.

Como os outros povos, os israelitas usavam barba, e com isso se arriscavam a doenças da pele e parasitas. A lei de Moisés, portanto, ensinava como deviam ser curados: “... ao sétimo dia rapará todo o seu pelo, tanto a cabeça como a barba e as sobrancelhas, sim, rapará todo o pelo; também lavará as suas vestes, e banhará o seu corpo em água; assim será limpo” (Levítico 14:9). Os egípcios tinham razão em se precaver...

Mas a lei não proibia o uso de barba, tanto que mais adiante lemos: “Não cortareis o cabelo, arredondando os cantos da vossa cabeça, nem desfigurareis os cantos da vossa barba... Não farão os sacerdotes calva na cabeça, e não raparão os cantos da barba, nem farão lacerações na sua carne” (Levítico 19:27, 21:5). Estas proibições tinham em vista os costumes dos sacerdotes cananeus pagãos que, como classe, se distinguiam do resto do seu povo desta forma.

Davi, o homem “cujo coração foi perfeito para com o Senhor seu Deus” (1 Reis 15:3), usava barba como todos os outros (1 Samuel 21:13). A barba do sumo sacerdote era tal que o óleo precioso de sua unção descia por ela sobre a gola das suas vestes (Salmo 133:2). Os homens se sentiam envergonhados se não tivessem barba (2 Samuel 10:5), e não cuidar, rapar ou arrancar a própria barba era sinal de grande amargura (2 Samuel 19:24, Esdras 9:3, Isaías 15:2, 50:6, Jeremias 41:5, 48:37); fazer isso com os outros era castigo (1 Crônicas 19:4, Isaías 7:20). Ezequiel usava barba, pois o Senhor mandou que a raspasse, com os seus cabelos, para ilustrar uma profecia (Ezequiel 5:1).

Os Evangelhos nos contam muitas coisas sobre os hábitos dos tempos em que foram escritos, mas nem eles, nem as epístolas e profecias do Novo Testamento tocam no assunto de “barba”. Temos que nos voltar a uma profecia de Isaías para descobrir que o Senhor Jesus também tinha barba como todos os israelitas do seu tempo (Isaías 50:6), e ela lhe foi arrancada como parte do Seu martírio e vergonha.

Ao longo da história, aos homens com pelo facial crescido têm sido atribuídas qualidades como sabedoria, virilidade, masculinidade, ou um status mais elevado; mas também tem sido uma indicação de falta de limpeza e perda de requinte.

Alexandre, o Grande, introduziu o costume de barbear na Europa. Relata-se que ele obrigou todos os homens do seu exército a rasparem as suas barbas, para que os inimigos não as pudessem segurar para degolá-los. Esse costume foi introduzido no império romano pelo grande general Scipio Africanus no terceiro século antes de Cristo. Continuou até o princípio do segundo século depois de Cristo, quando o imperador Adriano liderou a volta ao uso da barba. Mas o imperador Constantino o reintroduziu, e ao fazer-se “sumo pontífice” da igreja em Roma e das outras que subjugou, a moda pegou entre os “cristianizados” do seu império.

Depois disso, na Europa houve constantes variações e maneiras mais aprimoradas de fazer a barba, cortar os bigodes e os cavanhaques, mas entre os povos orientais, fora das grandes metrópoles, o uso da barba tem prevalecido através do tempo.

Atualmente, entre os muçulmanos, uma barba grande e desordenada é um sinal de religiosidade, pois assim é a dos xeques, e mesmo sendo cristão quem a usa, eles o consideram piedoso e religioso. Por outro lado, muitos cristãos que vivem entre eles tratam de reduzir ou raspar a barba para mostrar que não são muçulmanos.

Os homens mórmons modernos são fortemente incentivados a se barbearem completamente, em conformidade com os requisitos do código de honra do seu sistema educativo. Os jovens que entram no seu serviço missionário de dois anos são proibidos de deixar crescer seu pelo facial.

Através da história do cristianismo, a atitude com relação à barba tem sido surpreendentemente variada e de certa forma reflete o grau de incompreensão que diferentes grupos têm dos genuínos valores espirituais. Por exemplo:

- Em momentos diferentes da sua história e em função das diversas circunstâncias, a Igreja Católica autorizou ou proibiu o pelo facial ("barbae nutritio") do clero. A grande maioria do clero romano ou do rito latino raspa a barba.

- No século 11 um abade francês (Burchardus) escreveu um tratado sobre a barba. Foi seu parecer que as barbas eram adequadas para irmãos leigos, mas não para os sacerdotes entre os monges.

- Lutero abriu um precedente deixando a barba crescer, e praticamente todos os reformadores europeus deliberadamente cultivaram suas barbas como sinal de rejeição da antiga igreja, passando a barba clerical a ser um gesto agressivo anticatólico reconhecido na Inglaterra daquele tempo.

- Atualmente, os membros de muitas congregações religiosas católicas, sobretudo de origem franciscana, usam a barba como um sinal de sua vocação.

- No cristianismo que se chama “ortodoxo”, do leste europeu, os membros do clero frequentemente usam barbas, e elas por vezes têm sido recomendadas para todos os fiéis.

- Muitos cristãos sírios procedentes de Kerala, na Índia, usavam barbas compridas.

- Os homens das seitas menonitas de Amman e de Hutter nos EUA raspam a barba até se casarem, depois deixam crescer a barba, e nunca a tiram mais, tratando-se de uma forma especial de barba.

- Alguns judeus messiânicos usam a barba com o fim de mostrar seu cumprimento do Velho Testamento.

- Algumas igrejas presbiterianas proíbem raspar a barba completamente.

A maioria das igrejas “protestantes” considera o uso da barba como matéria para livre escolha de cada membro e muitos grandes verdadeiros ensinadores cristãos do passado, como W. E. Vine eram bem barbudos; C. H. Spurgeon não somente ostentava uma barba luxuriante, mas consta que encorajava os outros homens da sua igreja a deixar crescer a barba porque "é um hábito muito natural, bíblico, masculino e benéfico".

Voltando ao ensino bíblico, o princípio geral que deve nos orientar foi dado pelo apóstolo Paulo para resolver o que convém ao crente: “Quanto ao mais, irmãos, tudo o que é verdadeiro, tudo o que é honesto, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é de boa fama, se há alguma virtude, e se há algum louvor, nisso pensai” (Filipenses 4:8).

O uso ou não de barba realmente é matéria para livre escolha de cada membro de uma congregação. Ele deve considerar se a maneira como se apresenta é condizente com o seu testemunho cristão, que deve glorificar unicamente a Cristo e não a sua própria vaidade, e ter cuidado para não se destacar como se pertencesse a um grupo incongruente que se distingue por usar – ou não – a barba de uma certa forma. Não cabe à igreja local estabelecer normas sobre aquilo em que a Bíblia silencia.

autor: R David Jones.