Chamado para a Obra Missionária: Samuel Curran

Em 1958, Samuel Curran junto com sua esposa, Da. Eleanor May Curran, atenderam ao chamado do Senhor para saírem da sua terra, a Irlanda do Norte, e virem ao Brasil para o serviço missionário. O irmão Samuel trabalhou principalmente em Osório-RS e na região circundante, até que o Senhor o chamou para Si em 25.07.1987. Foi sepultado nessa cidade. Diz seu filho Samuel (Jr.) que ele tinha um coração para o gaúcho e era um gaúcho de coração. Sua esposa Da. Eleanor voltou para a Irlanda do Norte pouco depois, vivendo a sós durante 17 anos, durante os quais ela fez visitas curtas com freqüência ao Brasil, sendo a última em 2000. Dois dos seus filhos, David e Andrew, faleceram em 1978 e 1977, respectivamente. Atendendo à minha indagação sobre a maneira em que eles se sentiram chamados para este trabalho, o seu filho Samuel (Jr.) me encaminhou uma carta que fora enviada pela sua mãe ao neto Richard, contendo este relato. Traduzo, portanto, a seguir, o teor da carta para a informação e edificação dos leitores.

Relato de Eleanor May Curran

Querido Richard,

Gostei de vê-lo tão bem e de conversar com você recentemente. Fiquei meditando sobre a sua pergunta a respeito de como foi que começamos a pensar em ir ao Brasil e não me senti contente com a resposta que dei. Raras vezes me perguntam sobre isso e não é o tipo de assunto que nos cabe impor aos outros. Refletindo, concluí que minha resposta imediata a você foi fraca e decidi lhe escrever esta nota.

Na realidade meus primeiros pensamentos a respeito de como eu deveria dedicar a minha vida me vieram depois que me casei e tive o meu primeiro filho, o David. Eu deveria ter uns 25 anos de idade. Eram pensamentos muito íntimos e eram mais uma indagação pessoal sobre a maneira em que passava a minha vida. Pensava: “fiz um bom casamento, tenho um filhinho, meu marido ganha o suficiente para termos uma vida razoavelmente confortável. Tenho amigos e família, estou em comunhão com a igreja local, mas o que é que Deus está obtendo da minha vida?”. Eventualmente, relatei meus pensamentos ao seu avô e … surpresa das surpresas … a sua resposta foi: “que estranho que você esteja pensando assim, pois esses são exatamente os meus pensamentos também”.

Desde aquele dia seu avô começou a passar as tardes dos sábados (ele trabalhava meio dia aos sábados naquela época) andando pelo campo, conversando com as pessoas e distribuindo literatura cristã. Nem sempre o recebiam bem!! Ele me disse que, certa ocasião, quando a mulher de um fazendeiro abriu a metade de cima da porta, ele percebeu pela expressão “azeda” nos olhos dela que ele estava por ouvir uma reprimenda. Quando ele lhe ofereceu um folheto, ela disse “Você está mal empregado num dia bom como este quando a colheita precisa ser recolhida”. Ele respondeu: “senhora, já trabalhei por cinco dias e meio esta semana e estou usando meu meio dia livre para fazer isto”. O rosto dela se abrandou e ela perguntou: “você é da igreja presbiteriana ali em cima?” Ele respondeu “Não, eu me reuno com os crentes de Ballywillwill Gospel Hall” e ela então lhe disse: “Ah! Eles são bons” e, esticando o braço, pegou o folheto. (Depois de estar no Brasil por alguns anos seu avô andou fazendo a mesma coisa e algo semelhante aconteceu. A mulher, uma pessoa de aparência severa, abriu a porta e disse: “Não! Não queremos mais religiões por aqui! Já temos demais!” Seu avô respondeu: “Mas não estou aqui para falar de religião”. Ele perguntou: “porque então está aqui?” “Estou aqui para falar da pessoa do Senhor Jesus Cristo”, disse ele. “Ah!” ela disse “isso é diferente” e estendeu a mão para os folhetos.)

Passaram-se alguns anos, continuamos falando sobre aqueles pensamentos e nossas convicções aumentavam. Eventualmente sentimos que deveríamos fazer alguma coisa em definitivo. Um dia, enquanto trabalhava na fábrica de móveis em Portadown, seu avô encontrou algumas revistas usadas para embalagem e descobriu histórias das mais interessantes e retratos de índios da América do Sul e isso parece ter conduzido os seus pensamentos à necessidade existente em tantos lugares na América do Sul.

Oramos muito sobre isso por algum tempo e escrevemos para missionários na América do Sul: Peru, Venezuela, etc.. Ainda, sentimos que ninguém nos podia aconselhar. Seu avô queria tanto estar bem certo que não estava forçando o desfecho e embora alguns a quem ele escrevera sem dúvida nos dariam as boas vindas alegremente -- ele continuava incerto.

Um dia eu disse a ele: “você não ficaria feliz em ir ao sul do Brasil onde o irmão João McCann trabalha?” Mas ele respondeu: “Não! Eu temeria estar indo só porque o conheço”. Fim de conversa. Eu disse :”só tem um jovem de uns 22 anos com ele”. Ele disse: “Não, iria ficar parecendo que eu estava forçando o desfecho”. Eu disse: “Em nossa idade (eu com 33 anos e ele com 35) e com 3 filhos (o menor com 3 ½) não faríamos melhor trabalhando com alguém como os McCanns?”

Depois de alguns dias o irmão J McCann, que antes não tinha procurado nos influenciar de uma maneira ou outra nos escreveu e disse: “Sam, você tem certeza que Deus não está orientando você para o sul do Brasil, pois gostaríamos muito de tê-lo aqui?”.

Li a carta quando chegou e parecia ser uma coisa tão certa que fui ao quarto, fechei a porta e me ajoelhei e agradeci a Deus pela resposta depois de tanta luta.

Quando o seu avô voltou para casa, sua primeira pergunta foi: “alguma carta hoje?” Eu respondi com naturalidade que sim, havia uma, e ele disse: “De quem?” Eu, procurando manter a calma, disse: “Só uma do John McCann” (eu não queria influenciá-lo com meus pensamentos). Ele tomou a carta e foi para a sala de estar para lê-la. Fiquei de olho para ver o que ia acontecer. Ele desceu pelo corredor e entrou no quarto, fechando a porta. Um pouco depois ele veio até a cozinha, olhou para mim e disse: “Você leu a carta?” E eu disse “Li”. Ele disse: “O que você achou?” Eu disse: “Eu fiz exatamente o que você fez. Entrei no quarto, fechei a porta (para que o nosso caçula, o Andrew não me interrompesse) e agradeci a Deus pela resposta”. Ele disse: “Isso é exatamente o que acabei de fazer”. Nós nos abraçamos e fluíram lágrimas de agradecimento e alívio. (Isto deve ter sido no início de 1958). Pouco depois saímos com destino ao Brasil em 18.6.l958.

Eleanor May Curran, 21.10.2003.

autor: R David Jones.