Denominação

"É farisaísmo afirmarmos que não somos uma denominação?"

Têm havido casos de certas pessoas chamarem de hipócrita todo aquele que não concorda com a "institucionalização" (em forma de denominação) das igrejas neo-testamentárias.

Para respondermos objetivamente a esta pergunta, temos primeiro que definir resumidamente: quem somos, o que entendemos por “uma denominação”, o que vem a ser farisaísmo, e o que a Bíblia nos diz a esse respeito.

Quem somos

Assumindo que os leitores são como eu, afirmo que somos crentes em Cristo, salvos pela graça de Deus mediante a fé que temos na obra redentora de Cristo, que é o nosso Senhor e Salvador, e estamos no processo de santificar a nossa vida mediante a obediência ao que Ele nos manda pela Sua palavra, a Bíblia.

O mandamento principal do nosso Senhor é que amemos nossos irmãos na fé da mesma maneira como Ele nos amou e deu a Sua vida por nós. Esse amor é um amor prático, de serviço e de apoio mútuo.

No início, os que punham a sua fé em Cristo, batizando-se em nome dEle se fossem judeus, e em nome da Trindade se fossem gentios, reuniam-se juntos no templo em Jerusalém, e perseveravam na doutrina dos apóstolos, na comunhão de tudo o que possuíam, no partir do pão que faziam de casa em casa, participavam juntos em refeições, e oravam e louvavam a Deus juntos. Essa congregação de crentes é o que a Bíblia chama de “igreja”.

Elas foram ocorrendo em diferentes localidades, donde se chamarem Igrejas do Local onde se achavam. Todos os crentes salvos pela sua fé em Cristo pertencem a Ele, como ovelhas pertenciam ao pastor seu proprietário, e fazemos parte de um conjunto, como as ovelhas formam um rebanho, e esse conjunto é chamado a Igreja de Deus, ou de Cristo. Para não confundir com a igreja local nós a chamamos Igreja Universal, ainda em formação, e se completará um dia, quando o Senhor virá para buscá-la, incluindo todos os que a pertencem, vivos e mortos.

Desde aqueles primórdios, quase dois milênios atrás, as igrejas locais têm passado por grandes transformações, por influências internas e externas. Recomendo a todos os que puderem, que leiam os artigos “A Igreja Peregrina” de autoria do nosso querido irmão Jaime C. Jardine em seu site (Veja AQUI). São um resumo traduzido do livro “The Pilgrim Church” de E.H. Broadbent, uma obra didática valiosa pelos fatos nela relatados, resultado de profunda pesquisa feita pelo autor.

Através dos séculos, sempre têm havido congregações espalhadas pelo mundo que procuraram obedecer ao ensino da Bíblia, embora muitas vezes perseguidas, martirizadas e mesmo extintas pela oposição das instituições religiosas aliadas ao poder secular. Nosso desejo, como tem sido o delas, é de obedecer às instruções contidas na Bíblia em nossa conduta pessoal, e em nossas reuniões com outros crentes, fugindo às inovações, tradicionais ou não, que, de qualquer forma, desobedeçam a elas.

O que entendemos por "denominação"

Em um sentido geral, denominação é um nome ou título. Os crentes passaram a ser chamados cristãos bem cedo (Atos 11:26) e essa denominação aparece três vezes na Bíblia. Era um nome de desprezo, ligado muitas vezes ao sofrimento (1 Pedro 4:16).

Em um sentido mais restrito, denominação é um nome dado: a) a uma igreja, b) a uma instituição religiosa que também se dá o nome de “igreja”, c) ou uma seita.

No início, para distinguir uma igreja local de outra, elas eram denominadas pelo local, como cidade ou casa, em que se reuniam: por exemplo, Febe era uma crente da igreja em Cencreia e havia uma igreja na casa de Priscila e Àquila. Isso ainda se faz hoje e obviamente nada podemos objetar a isso com base bíblica.

Hoje a maioria das igrejas se reúne em edifícios, e alguns erradamente pensam que a igreja que lá se reúne tem o nome do edifício, por exemplo: chamam de “Casa de Oração” a igreja que se reúne num edifício deste nome (aliás, é o nome que aparentemente será dado ao novo templo em Jerusalém). “Templo”, “Capela”, são outros nomes de edifícios. Algumas igrejas não dão nenhum nome ao edifício em que se reúnem, só para evitar esse engano!

As instituições religiosas surgiram muito cedo, com a união de duas ou mais igrejas locais debaixo de uma cúpula, completamente estranha ao ensino e experiência das igrejas primitivas. As mais antigas, e ainda hoje muito influentes e poderosas são as que começaram se chamando “católicas” ou universais: a Romana, e algumas Ortodoxas, de onde saíram, durante a Reforma, muitas outras que foram se multiplicando.

De um ponto de vista doutrinário, elas variam muito, desde as apóstatas que são as maiores e substituíram a Palavra de Deus por tradições e dogmas humanos, até as mais dedicadas à evangelização, ao estudo e ao ensino da Bíblia, a quem muito devemos inclusive à própria tradução, e distribuição da Bíblia a preços acessíveis por todo o mundo.

Mas não existia nada como elas quando foi escrito o Novo Testamento, logo não é de surpreender que não sejam mencionadas ali. No entanto, praticamente todas elas se baseiam num sistema em que existe uma clara separação entre o clero e os leigos, estando estes submissos àqueles. Este sistema, que chamamos de clericalismo, foi previsto nas cartas proféticas às igrejas de Éfeso e Pérgamo onde encontramos referência às doutrinas dos nicolaítas (domínio sobre o povo), cujas obras o Senhor Jesus odeia (Apocalipse 2:6,15).

Os “clérigos” são preparados em escolas, institutos bíblicos e seminários, dentro da doutrina da instituição a que pertencem, recebem uma “ordenação” dela e depois tomam a direção das igrejas locais pertencentes a essas instituições, formando uma classe à parte com suas honras e privilégios, à semelhança dos sacerdotes e levitas israelitas. Os leigos, por sua vez, são aproveitados de uma forma ou outra, mas a ação do Espírito Santo para o seu desenvolvimento e amadurecimento é mais ou menos tolhida.

As igrejas locais primitivas, no entanto, eram independentes entre si, cada uma era um organismo ligado pelo Espírito Santo, simbolicamente uma miniatura da Igreja Universal que é o corpo de Cristo, e cada crente a elas pertencente participava com os seus dons no crescimento espiritual dos demais, sendo alguns reconhecidos para exercer a supervisão segundo um critério que o apóstolo Paulo deixou escrito em duas de suas cartas. Nosso desejo é seguir o exemplo dessas igrejas primitivas, aprovado pelos apóstolos em seu tempo. Não queremos tolher a livre ação do Espírito Santo entre nós, cometendo o mesmo erro das instituições.

As seitas começavam a aparecer já em Corinto, onde lemos que havia partidarismos dentro da igreja. Para se diferenciar, cada “cisma” ou “partido” tomava o nome de um líder: Paulo, Apolo, Céfas ou mesmo de Cristo! Embora severamente condenadas, estas facções foram permitidas para que os crentes “aprovados” pudessem ser reconhecidos (1 Coríntios 11:19). Em outras palavras, os sectários, tomando uma denominação para os distinguir, afastam-se dos crentes fiéis aos ensinos apostólicos, e estes podem assim ser reconhecidos.

Se somos dos que querem estar entre os “aprovados”, este é um dos melhores argumentos a favor de não assumirmos outro nome senão o que originalmente nos foi dado: Cristão. Outra característica das seitas é o exclusivismo: só estendem a sua comunhão aos seus membros e os que pensam ou se reúnem exatamente como eles. Lamentavelmente, isto acontece também entre algumas igrejas locais neo-testamentárias sem denominação, tornando-se fáceis presas dos Diótrefes entre seus membros.

O que vem a ser "farisaismo"

Os fariseus eram uma seita - a palavra vem do hebraico que se traduz “separatista”. Havia duas outras no início deste século, os saduceus e os essenos.

No tempo do Senhor os fariseus eram muito influentes entre o povo, sendo precisos e minuciosos em todas as questões relativas à lei de Moisés. O próprio apóstolo Paulo era um fariseu dedicado, e havia muita verdade no que criam e ensinavam, mas sua religião era um verniz externo, formal, para ser visto e imposto aos outros enquanto o seu coração era duro e impiedoso. Eles se consideravam virtuosos e tinham muito orgulho, sendo freqüentemente repreendidos pelo Senhor por isso. No entanto, seu nível moral era baixo, e foram chamados pelo Senhor Jesus, com os saduceus, de geração de víboras. Eles não suportavam as doutrinas do nosso Mestre, tornaram-se seus inimigos, e procuraram de toda a forma destruir a sua influência sobre o povo.

Mas quando se fala em farisaísmo, não é no sentido de ser sectário, mas de ser hipócrita. O Senhor chamou os fariseus e os escribas de hipócritas, falando-lhes “bem profetizou Isaías a vosso respeito, dizendo: Este povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de mim. E em vão me adoram, ensinando doutrinas que são preceitos de homens.” Isto é farisaísmo.

Conclusão

Se formos responder à pergunta “é farisaísmo afirmarmos que não somos uma denominação”, a resposta ao pé da letra é “NÃO”, pois fazer uma afirmação assim não foi uma característica dos fariseus, segundo vemos acima. Existe uma sugestão nessa pergunta, que por não desejarmos assumir um nome outro que de “cristão”, já nos tornamos diferentes dos outros que, embora também se declarem ser cristãos, assumem uma denominação. Sendo assim, somos uma denominação “sem nome” e, como os fariseus, nos orgulhamos de obedecer fielmente à Palavra de Deus e desprezamos os outros por se sujeitarem a uma denominação “com nome”.

Voltemos à definição do que vem a ser uma “denominação”, e veremos que isto não é verdade. Vejamos os três casos:

a) uma igreja? - o nome do edifício onde nos reunimos, seja “templo”, “capela”, “casa de oração”, ou outro, não nos faz uma “denominação”. Alguns ainda pensam que, porque somos “irmãos” em Cristo e que nossa congregação local é uma “igreja dos irmãos”, somos uma “denominação”. Mas, todo o crente em Cristo é nosso “irmão” na fé, sendo participante conosco do privilégio de ter sido feito filho de Deus por adoção, independentemente do edifício onde se reúne, logo não somos uma “denominação” à parte como as verdadeiras “denominações”. Não incluímos aqui os Irmãos Unidos existentes na Europa que, realmente, são uma instituição denominacional.

b) uma instituição? - não nos submetemos como igreja local a qualquer instituição, pessoa jurídica ou física. Nossa doutrina é a doutrina dos apóstolos, que é o nosso alicerce sobre a pedra fundamental, que é Cristo. Cada igreja local é responsável perante Ele, apenas, e não aceita a interferência de estranhos em sua direção, embora esteja sempre pronta a colaborar com outros visando a evangelização dos perdidos e o aperfeiçoamento dos santos. Quero deixar bem claro que as instituições religiosas aqui mencionadas nada têm a ver com as pessoas jurídicas criadas pelas igrejas locais apenas para a finalidade de cumprir com as leis do país, de dar proteção legal aos seus imóveis e outros bens materiais, absolutamente para fins jurídicos, fiscais e bancários. A estas entidades jurídicas nunca deve ser dada autoridade sobre a conduta da própria igreja local.

c) uma seita? - qualquer seita se caracteriza por um líder que dá orientação espiritual e dirige as atividades do seu grupo. Também não nos submetemos a alguma pessoa em particular - nossas igrejas são dirigidas por uma pluralidade de supervisores (bispos, anciãos ou presbíteros na linguagem bíblica), e cada igreja local reconhece apenas a Cristo como seu titular supremo, diretamente acima dela, e a Bíblia inteira como a sua regra de fé. Novamente, portanto, podemos declarar tranqüilamente que NÃO somos uma denominação.

Finalizando, quero enfatizar que somos crentes em Cristo, mas não somos, nem temos a petulância de pensar que somos absolutamente os únicos! Dentro das instituições e mesmo dentro das seitas vamos encontrar muitos outros, e, digo mais, vamos encontrar muitos que talvez sirvam muito mais ao Senhor do que nós e que se dedicam mais ao estudo e ao ensino das Escrituras do que nós.

Quantas almas foram salvas pelas “denominações” antes de aparecerem por aqui igrejas neo-testamentárias independentes, e continuam ainda sendo salvas! Nossa atitude para com esses nossos irmãos em Cristo deve ser de amor, como fomos comandados por Ele, porque amamos e servimos o mesmo Mestre. Eles podem estar desalinhados com o que entendemos ser o desejo do Senhor para a conduta das suas igrejas locais, mas é a Ele que todos nós servimos, e é a Ele a quem daremos conta finalmente de como nos conduzimos aqui.

Por outro lado, as instituições não são todas iguais, e o fato de se chamarem “igreja” ou “cristã” não significa que estão dentro dos mínimos padrões bíblicos desejáveis.

Muitas não pregam o Evangelho da salvação pela graça unicamente mediante a fé em Jesus Cristo, ou a necessidade do novo nascimento, o que nos faz duvidar da existência de um verdadeiro crente em seu meio.

Outras, além disso, introduzem grandes heresias como dogmas papais, visões de anjos, falsas profecias, promessas de riquezas materiais. Geralmente são as mais ricas e poderosas por causa do mercantilismo a que se dedicam, e a grande apostasia delas de certa forma as une, pois dão pouco ou nenhum valor à sã doutrina, e, após o ecumenismo de nossos dias (onde dizem que “o amor une, a doutrina separa”), elas se juntarão às outras religiões para formar a Babilônia religiosa de que lemos em Apocalipse 17.

Aos que pertencem a essas instituições não podemos considerar “irmãos na fé” pois a sua fé é outra, e a eles devemos pregar o verdadeiro Evangelho de Cristo para que conheçam o caminho da salvação que não têm.

 

 

autor: R David Jones.