Matar e deixar morrer

Qual é o ponto de vista bíblico para se tomar uma decisão sobre a manutenção ou desligamento de aparelhos que mantêm a vida vegetativa de um ser humano com cérebro danificado ou inoperante?


O ser humano foi criado perfeito por Deus, tendo em si a habilidade de sobreviver eternamente, tendo acesso ao fruto da “árvore da vida” com propriedades restauradoras, que se encontrava no Jardim do Éden. Ao desobedecer a Deus, nossos primeiros antepassados foram expulsos do Jardim e assim eles e os seus descendentes não mais puderam manter sua sobrevivência com o fruto dessa árvore. Um dia, no futuro, a raça humana voltará a fazer uso dele (Gênesis 3:22, Apocalipse 22:2).

Estamos, portanto, sujeitos à morte física por causa daquele pecado original, e ela nos pode atingir desde a mais tenra idade, pelas mais diversas causas. No entanto, é vedado ao homem tirar a vida a outrem. Deus ordenou que “Quem derramar o sangue do homem, pelo homem o seu sangue será derramado”: o sangue representa a vida (Gênesis 9:6). Deus confirmou isto ao povo de Israel com o sexto dos Dez Mandamentos que escreveu para Moisés: “Não matarás” (Êxodo 20:13). A pena de morte foi confirmada, não somente para este crime, mas para outros também nos estatutos de Deus para o Seu povo que se seguiu. É claro, portanto, que o assassínio é condenado no mandamento “não matarás”, não a pena de morte.

A eutanásia consiste em matar um ser humano para poupá-lo do sofrimento. O primeiro caso de eutanásia que conhecemos na Bíblia, foi declarado por um jovem guerreiro ao comandante Davi depois de uma batalha. Explicou que havia matado Saul a pedido dele para evitar mais sofrimento, por que estava na angústia da morte (2 Samuel 1:2–16). Ao invés de concordar com ele, Davi em sua autoridade de comandante e juiz militar mandou que ele fosse executado, porque o jovem não temeu levantar a mão para matar o ungido do SENHOR.

A eutanásia moderna, uma espécie de humanismo hospitalar, consiste em matar o paciente mediante uma injeção letal de substâncias entorpecentes e tóxicas. Para se cobrirem legalmente, os responsáveis geralmente obtêm a concordância do paciente ou dos seus responsáveis. Se uma dose inicial de “tratamento” tóxico não é suficiente para “terminar” o paciente, aplicam-se doses maiores e maiores até a sua morte.

A justificativa da eutanásia é apenas uma conseqüência lógica da adoção da teoria da evolução e conseqüente rejeição da autoridade de Deus na Bíblia. Crendo-se nas teorias de Darwin (que requerem muita “fé”, diga-se de passagem), os absolutos conceitos de Deus contidos em Sua Palavra se tornam relativos ou mesmo inconseqüentes, e o mal e o bem passam a ser questão de opinião individual. Afinal, se todos nós somos apenas o resultado da evolução da matéria através dos tempos, podemos decidir nós mesmos o que é certo e ninguém mais pode nos ordenar o que fazer.

Somente Deus tem o direito de tirar a vida humana, salvo nos casos em que Ele delegou autoridade ao homem para fazê-lo. Tendo Deus concedido vida, ninguém tem o direito de tirá-la, mesmo a sua própria. A eutanásia viola a santa lei de Deus, e qualquer sociedade que a permite estará sujeita ao Seu juízo.

Mas a eutanásia não consiste em desligar equipamentos em unidades de tratamento intensivo que poderão estar prolongando artificialmente o processo de morrer. A diferença básica é que, se o paciente sobrevive ao se retirar o equipamento auxiliar, não haverá tentativas para fazê-lo morrer de outra forma: se houvesse, isto sim, seria eutanásia. Por exemplo, ao se retirar o equipamento de respiração ou alimentação de um paciente, o objetivo não é matá-lo, porque se continuar vivendo, nada mais será necessário fazer para que respire ou se alimente naturalmente.

As ciências têm se desenvolvido de maneira extraordinária nas últimas décadas, permitindo uma grande transformação no tratamento de enfermidades, visando prolongar a vida humana e superar deficiências, algumas delas mortais se esses recursos não forem usados.

Do ponto de vista bíblico, então, devemos nos perguntar: até que ponto é aceitável usar esses recursos para prolongamento da vida?

Deus tem domínio sobre o universo, e isso inclui a enfermidade no corpo humano. Ele proveu nossos corpos com defesas que por si só, ou com o auxílio de produtos químicos, podem evitar ou combater as doenças. Por exemplo, o rei Ezequias orou pedindo que fosse curado e Deus atendeu ao seu pedido, mas por meio de uma pasta de figos que o profeta Isaías instruiu que fosse aplicada na úlcera para que recuperasse a saúde (Isaías 38:21). Deus lhe havia concedido a cura, então por que havia necessidade do emplastro? Deus estava estabelecendo um princípio: quando enfermos, oremos a Deus, mas também usemos os remédios disponíveis.

O uso de médicos e remédios nunca é condenado na Bíblia, ao contrário, em várias ocasiões é recomendado. No entanto o corpo humano é perecível, e um dia vai morrer a despeito dos esforços feitos para prolongar a vida. As enfermidades são adquiridas do meio ambiente, muitas vezes por deficiência no sistema imunológico de defesa do organismo, ou mesmo por sua inexistência em alguns casos. Estamos agora muito longe da perfeição que havia quando o homem foi primeiro criado.

Nós, os crentes em Cristo, sabemos que nossa estada aqui é passageira, e que não devemos nos preocupar com a nossa vida neste mundo. Ela está nas mãos de Deus, e nossas tribulações têm uma finalidade útil, para nós e para os outros. Cuidemos da nossa saúde, sim, como bons dispenseiros daquilo que Deus nos deu. Usemos dos recursos que estiverem ao nosso alcance, mas lembrando que Deus é soberano, estejamos sempre de bom grado submissos à Sua vontade.

Quanto ao nosso auxílio aos outros, devemos amar ao nosso próximo como a nós mesmos. Lembremos da parábola do bom samaritano, que cuidou do restabelecimento do judeu que havia sido abandonado como morto pelo jurista e pelo sacerdote. Se pudermos ser úteis no restabelecimento da saúde do nosso próximo, sigamos o exemplo do samaritano, mesmo recorrendo aos equipamentos mais modernos.

Mas a decisão de suspender o fornecimento de recursos, como a retirada de aparelhos de respiração e alimentação sempre será muito difícil, especialmente se é sabido que resultará na morte do paciente porque seu corpo já não é viável. Se for crente, menos mal, porque passará para a presença de Deus onde estará muito melhor. Se for incrédulo, procuremos levá-lo a Cristo para salvar a sua alma. Se o seu cérebro já estiver paralisado, morto, seu estado eterno já estará determinado, aliviando quem dele cuida da responsabilidade pela sua alma.

Em suma, devemos cuidar da saúde nossa e do nosso próximo dentro das nossas possibilidades, visando a glória de Deus. Retirar os meios artificiais de sustentação da vida de alguém requer profunda reflexão, mas se for decidido que deve ser feito, isto não consiste em homicídio.

autor: R David Jones.