Os "irmãos" em Portugal

Efésios 1:22-23

O Senhor Jesus Cristo é a Cabeça do Corpo, a Igreja, que é apresentada como a plenitude do Senhor. Esta é, na verdade, a elevada posição da Igreja perante o Senhor, sendo a Sua vontade que nós testifiquemos desta grande verdade.

Por isso, os filhos de Deus não podem aceitar, à luz do ensino das Escrituras, qualquer guia humano ou entidade criada pelos homens que dite regras de organização religiosa, pois tal consubstanciaria numa substituição da Cabeça do Corpo de Cristo por uma “cabeça temporal” da Igreja.

Como escreveu WILLIAM MCDONALD (“Cristo Amou a Igreja”), a autoridade de Cristo só é verdadeiramente reconhecida quando os crentes O deixam dominar em todas as actividades, nas resoluções e na prática.

Em Portugal, como certamente no Brasil, os crentes estão cientes desta grande verdade, mas infelizmente muitas vezes não compreendem como pode o Senhor guiar a Sua Igreja na terra e, por isso, alguns sem quererem esperar que se manifeste a vontade de Deus, julgam mais prático resolver as coisas segundo os seus próprios planos, procurando lugares de destaque (como Diótrefes, III João 9,10), criando, agrupando-se e submetendo-se a princípios denominacionais, passando a ter outras “cabeças” além da Cabeça espiritual da Igreja, Cristo.

Tendo-me sido solicitado para escrever sobre os chamados “Irmãos em Portugal”, cumpre desde logo afirmar que estes, ao contrário do que sucede com os crentes “denominacionais” e “interdenominacionais”, não aceitam, à luz do Novo Testamento, nenhuma organização dominante, como um sínodo, presbitério, concílio, convenção ou associação para exercer autoridade sobre uma igreja ou grupo de igrejas. Cada igreja é directamente responsável perante Cristo, Cabeça da Igreja, e não podemos aceitar nem praticar seja o que for que negue aquele facto.

Neste pressuposto, os “Irmãos” em Portugal, congregam-se em assembleias locais, sendo cada uma “de per se”, autónoma e independente, com o seu corpo de anciãos e diáconos e com o seu corpo de doutrina. Apesar de ser o propósito do Senhor que os Seus filhos permaneçam em unidade na Sua Palavra, na doutrina e nos mandamentos que Ele deixou para a Igreja enquanto Corpo de Cristo e manifestação da sobreexcelente grandeza do Seu poder (Ef. 1:19), infelizmente nem sempre existe unanimidade na doutrina pela existência de interpretações particulares que alguns fazem da mesma.

De qualquer modo, os “Irmãos” em Portugal, não estão agregados a nenhuma organização secular, nem outrossim, ao invés do que sucede com as denominações designadas de evangélicas, não existe qualquer órgão ou convenção que pré-determine, superintenda, emane pareceres ou decisões com referência às Igrejas locais.

É certo que existe em Portugal uma organização secular, constituída como Associação sem fins lucrativos, denominada “Comunhão de Igrejas de Irmãos em Portugal” (CIIP). Esta CIIP foi constituída para promover a comunhão entre os crentes (não propriamente entre Igrejas enquanto congregações autónomas). Contudo, a sua criação teve também por fundamento o regime legal das associações religiosas que, então, vigorava no país (NR.: No caso do Brasil leiam a nota no rodapé deste artigo).

Efectivamente, nessa altura (como ainda hoje subsistem alguns casos), a maioria das assembleias locais nem sequer estavam constituídas legalmente perante o Estado, sem o correspondente processo de acreditação para efeitos do exercício de liberdade religiosa perante as autoridades, bem assim para usufruir de benefícios de natureza fiscal em sede de aquisição de terrenos, construção de templos, compra de materiais para os mesmos, etc..

A CIIP, constituída e registada no Registo Nacional das Pessoas Colectivas e no Ministério da Justiça, possibilitou o acesso, por seu intermédio, de algumas assembleias a esses benefícios, bem assim o reconhecimento legal entre o Estado Português e essas assembleias.

É certo que embora antes da constituição da CIIP as congregações locais pudessem constituir-se livremente como associações, passou a ser mais fácil a sua inscrição no Ministério da Justiça, com a referência à CIIP, enquanto “grupo religioso” com “doutrina” e “prática” para cujos elementos a congregação local poderia apontar. Efectivamente, nos termos do nº 3 da Base IX ex vi nº 2 da Base XII da Lei 4/71, de 21 de Agosto, era necessária para a inscrição no referido órgão do Estado a referência à confissão religiosa, seus princípios de doutrina, confissão, regras de disciplina e organização. Com a constituição da CIIP a inscrição no Ministério da Justiça de uma congregação local ficou, assim, facilitada.

Recentemente foi aprovada uma nova lei de liberdade religiosa em Portugal que alterou radicalmente a organização religiosa neste país, exigindo-se agora para o exercício dos direitos reconhecidos por essa lei a existência legal da congregação ou confederação de igrejas há mais de 26 ou 30 anos, conforme já estivesse ou não registada no Ministério da Justiça.

Fora do plano legal, a CIIP embora tenha contribuído para a realização de reuniões mensais entre os anciãos e obreiros “representantes” de cada assembleia local, assim como para a comunhão entre os seus membros, a maioria das actividades cuja realização chamou a si, já existiam antes da constituição da CIIP.

Assim, já existiam, há dezenas de anos, reuniões quadrimestrais de anciãos e obreiros, para comunhão, partilha de testemunho e ministério. As mesmas continuaram a realizar-se, ainda que sob a “capa” da CIIP, mas não excluindo a intervenção de irmãos de Igrejas que não estejam associadas à mesma.

Por outro lado, antes da CIIP existia igualmente um “Fundo Missionário”, que recebia e distribuía ofertas aos obreiros dedicados a tempo integral na Obra do Senhor. O funcionamento e as regras do “Fundo” mantiveram-se, ainda que integradas no criado “Departamento Missionário da CIIP”. Aliás, as pessoas que o continuaram a administrar foram as mesmas. Não houve, assim, a criação de outro fundo ou a alteração das regras, mas unicamente a inserção da sua prática numa contabilidade legal, com isenção fiscal perante o Estado Português.

Ainda a título de exemplo, antes da constituição da CIIP existia igualmente a revista “Refrigério”, que era e continuou a ser distribuída a todas as assembleias de irmãos (tenham ou não se associado à CIIP). A partir da constituição da CIIP, o “Refrigério” passou a ficar integrado no Departamento de Comunicações da CIIP, com depósito legal associado ao registo no Ministério da Justiça, mas mantendo o mesmo corpo editorial.

Ou seja, apesar da existência legal desta organização, as Igrejas em Portugal recusaram a sua integração num órgão de cúpula, de superintendência ou com influência na organização, funcionamento da assembleia ou do seu corpo de doutrina. As Igrejas procuraram e continuam a procurar seguir o padrão bíblico de autonomia e independência da assembleia local, embora respeitando e sujeitando-se às regras legais estabelecidas pelas autoridades soberanamente estabelecidas, no âmbito das quais surgiu a referida “CIIP”.

Isto, porque é a Igreja e não qualquer organização que é chamada na Bíblia como o rebanho (João 10:16), a lavoura de Deus (1Co. 3:9), o edifício de Deus (1Co. 3:9), o templo de Deus (1Co. 3:16), o corpo de Cristo (Ef. 1:22, 23), a morada de Deus (Ef. 2:22), a noiva de Cristo (Ef. 5:25-27; 2Co. 11:2), a casa de Deus (1Tm 3:15) e a coluna e firmeza da verdade (1Tm 3:5).

Apesar da fraqueza da carne, a Igreja e, consequentemente, as assembleias reunidas localmente devem permanecer um baluarte ou reduto de defesa do que foi estabelecido pelo Senhor para proclamar, sustentar e defender a Verdade, não se desviando para aquilo que os padrões humanos possam apontar, mas influenciando o mundo ao redor, tendo por fundamento a afirmação do Senhor Jesus em Mateus 16:18.

Naturalmente que não podemos afirmar que todas as assembleias locais dos “Irmãos” em Portugal não manifestem graves falhas na forma como estão organizadas e como funcionam, porém os princípios segundo os quais cada assembleia local é independente e sem denominação são um laço que une fortemente todos os irmãos.

Isto significa que cada igreja local tem o governo próprio (de anciãos e diáconos), respondendo cada uma de per se perante o Senhor. Tal, contudo, não obsta, antes tem sido prática que a união das assembleias se fortifique através de uma relação espiritual, baseada na posse de uma salvação comum (Judas 3), o reconhecimento de um só Senhor (Ef. 4:5) e a adopção dos princípios de doutrina e organização tal como o da Igreja do I século.

O Senhor não quer o Seu corpo dividido (1 Co. 12:25). Razão por que, as assembleias locais em Portugal continuam a rejeitar qualquer agregação denominacional, por tal criar dissensão e divisão, claramente reprováveis pelo Senhor (Mt 9:16; 27:51; Jo. 7:43; 9:16 e 10:19).

A minha oração é que o Senhor opere grandiosamente, quer em Portugal, quer no Brasil, por forma a que, nós, Seus filhos, possamos defender e transmitir, na doutrina e na prática, sem hesitação, os fundamentos pelos quais o Senhor, enquanto Única Cabeça, constituiu a Igreja como Seu Corpo, “a plenitude dAquele que cumpre tudo em todos”. Em Cristo Jesus Nosso Senhor.

autor: Joel Timóteo Ramos Pereira.