Uma igreja

Dois meses atrás discorremos nesta seção sobre o início das igrejas locais independentes, de uma maneira geral.
Vamos focalizar agora numa em particular.

Escolhi uma que está distante da grande maioria dos que recebem este boletim, e quase indubitavelmente é desconhecida por todos. No entanto a sua formação é notavelmente semelhante ao que acontece com a grande maioria das igrejas independentes, inclusive em muitas áreas do Brasil.

No princípio deste ano fui aos funerais de uma senhora crente, numa aldeia distante, no sul da Inglaterra. Percorri uma estrada que atravessava bosques, campos e pastagens, e estava nevando ligeiramente. Em certo ponto, numa curva, deparei com o que parecia ser um estábulo à beira da estrada. Era de madeira, muito limpo e bem conservado. Na parede da frente tinha um grande cartaz com as palavras de João 3:16. Mais embaixo tinha uma placa menor dando o horário de reuniões e dizendo que quem quisesse comparecer seria benvindo.

 Curioso, indaguei de um irmão presente aos funerais, que conhecia aquela área, o que seria aquilo. Ele me contou que se tratava do lugar de reuniões de uma congregação evangélica, e que tinha um livrinho contando a sua história, publicado em 1960. Dias depois, gentilmente me emprestou o livrinho, que achei notável pela sua simplicidade e familiaridade. Os detalhes a seguir foram tirados dele.

“Lança o teu pão sobre as águas, porque DEPOIS DE MUITOS DIAS o acharás” (Eclesiastes 11.1) estava escrito na primeira folha, seguido da explicação que o livrinho trata de uma breve história de um testemunho cristão em Betchworth, Surrey, por mais de 100 anos - calcula-se que desde 1857.

Em seguida vem o prefácio de um personagem célebre na localidade, R.H.Burt, O.B.E., que vou traduzir: “Fui convidado a escrever um prefácio a este registro curto de um movimento humilde mas, acredito, inspirado por Deus em Betchworth. Um movimento assim não deve ser julgado pelo número dos seus seguidores, mas pelo seu efeito em suas vidas, porque a cristandade é essencialmente uma Vida (Atos 5.20), realmente um Caminho de vida (Atos 9.2). Tive o privilégio de conhecer dois dos primeiros homens que vieram prestar seu culto no ‘Barracão’. Eram homens que praticavam a justiça, amavam a misericórdia, e andavam humildemente com o seu Deus (Miquéias 6.8). Eles criam na palavra do salmista ‘para sempre, ó SENHOR, está firmada a tua palavra no céu. A tua fidelidade estende-se de geração em geração’ (Salmo 119.89-90). Eles provavam a Deus mediante o agir sobre a Sua palavra ‘Oh! Provai e vede que o SENHOR é bom; bem-aventurado o homem que nele se refugia’ (Salmo 34.8). Somos exortados a imitar a fé de homens como esses (Hebreus 13.7).”

Por volta de 1830 houve um movimento espontâneo do Espírito Santo que levou crentes de todas as classes em várias partes do país, bem como na Irlanda, a estudarem as suas Bíblias e a resolverem se reunir da mesma forma que se fazia na igreja primitiva conforme se encontra no Novo Testamento, sem um líder humano mas confiando na direção e nas operações do Espírito de Deus (por exemplo, o que lemos em 1 Coríntios 12 e 13).

Alguns dos que participaram deste movimento em Betchworth se converteram ao ouvir as pregações de Richard Weaver, um carvoeiro. Este nasceu em 1827 e, segundo ele, nasceu de novo aos 25 anos na véspera de uma luta livre, pois era também lutador profissional. Em 1865 havia gente que andava uma légua ou mais para ouvi-lo pregar em uma grande tenda, junto com outro evangelista. No início eles se reuniram num celeiro, ao lado da estação da estrada de ferro, propriedade de um fazendeiro “quaker” que permitiu seu uso. Quando o proprietário se aposentou e vendeu o celeiro, eles tiveram que se mudar de lá, mas já muitos homens e mulheres haviam se convertido com o testemunho dado naquele local.

Um abastado proprietário da região, ao saber que haviam perdido o local para suas reuniões, ofereceu-lhes um barracão ao lado da estrada, usado para acomodar seus animais. Com muito trabalho e dedicação, eles transformaram aquele ambiente sujo e um tanto decrépito em um salão com dependências, adequado a essa finalidade. Dizem que, algumas vezes, até os animais da fazenda estavam presentes às reuniões. Mas, afinal, mesmo o nosso Salvador não nasceu numa estrebaria? Ficou sendo chamado “O Barracão” por muitos anos, nome que era usado com simpatia por todo o povo da região em deferência às pessoas sinceras que ali se reuniam para seu culto a Deus.

Mais tarde ficou sendo conhecido simplesmente como “Salão de Reuniões”. Esses adoradores estavam seguros da presença do Senhor mesmo nesse lugar humilde, pois Ele mesmo prometeu que “onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, ali estou no meio deles” (Mateus 18.20). Logo o Seu encontro com aqueles que O amam não depende da existência de um edifício específico para tal finalidade. Aqueles irmãos confiaram na palavra do Senhor, e Ele não os desapontou. Com o tempo o Barracão tornou-se em Salão de Reuniões, e o Senhor honrou aqueles que O honravam. Como o apóstolo Paulo, eles desejavam “não ser desobedientes à visão celestial” (Atos 26:19). Eles eram verdadeiramente “obreiros que não têm de que se envergonhar” (2 Timóteo 2.15) e o seu trabalho tem permanecido “depois de muitos dias”, ou seja, até hoje.

Um dos pioneiros, devotado ao trabalho de ensino das crianças na escola dominical que conduzia, ainda é lembrado pelo autor quando já bem velhinho, sentado na porta da frente de sua casinha com a Bíblia na mão, meditando sobre a promessa em João 14.2 “vou preparar-vos lugar”. Ele disse: “que contraste com Judas, porque aprendemos que ele foi “para o seu próprio lugar” (Atos 1.25).

 Certo domingo, dois dos crentes que ali se reuniam caminhavam para a reunião matutina da Ceia do Senhor, quando um deles, tirando o relógio da algibeira, declarou “São onze horas e chegada a hora, pôs-se Jesus à mesa, e com ele os apóstolos” (Lucas 22.14). Estavam atrasados. Não conversaram mais entre si, considerando que a reunião já havia começado.

São dois exemplos singelos de como aqueles irmãos se achavam imbuídos da Palavra de Deus, que nos faz conhecer a mente do Senhor permitindo que sejamos instruídos pelo seu Espírito Santo.

Um dos pregadores, chamado Mr. Jones (não é meu parente ...) tinha uma voz muito poderosa e era ouvido por uma boa distância afora do Barracão. Um vizinho, rico, ouvia suas pregações sem querer e ficava perturbado, pois o evangelho é o poder de Deus (Romanos 1:16). Um dia instruiu seu jardineiro a por fogo no Barracão. Este lhe respondeu que não podia porque era um dos que se reuniam lá, tendo se convertido havia pouco tempo atrás!

Naqueles dias, os convertidos durante as pregações eram batizados imediatamente após a reunião (Atos 8.36-38, etc.) e geralmente voltavam para casa com as suas roupas molhadas. Houve o caso de um senhor de 87 anos, dobrado com reumatismo, batizado assim em 1877.

Mais de uma vez a pergunta tem sido feita: “Quem paga todas as despesas necessárias para o trabalho desenvolvido na Sala de Reuniões?” A resposta simples é “o trabalho é do Senhor e o SENHOR proverá”. O autor diz que quando olha para os montes que cercam o local e vê o gado pastando tranqüilamente, imediatamente lhe vem à mente o versículo “Ao SENHOR pertence a terra e tudo o que nela se contém” (Salmo 24.1). Ele pode atestar que sempre que apareceu uma tarefa para ser realizada o Senhor tem sido fiel, assim como o apóstolo Paulo testemunhou aos crentes de Filipos “o meu Deus, segundo a sua riqueza em glória, há de suprir, em Cristo Jesus, cada uma de vossas necessidades” (Filipenses 4.19). Essa foi a experiência dos que se reuniam no Barracão, e os seus sucessores.

Em 1942 o Barracão e o terreno em que está construído foi posto à venda pelo seu proprietário, quando já havia fundos suficientes providos pelos crentes que lá se reuniam para realizar a compra o que, então, fizeram.

O livrinho termina lembrando-nos que Deus não muda e nunca mudará. Assim como no passado, estamos servindo o mesmo Senhor que conhece todas as nossas necessidades e tudo o que almejamos. Talvez não haja ainda muitos mais dias para acrescentar à sua história, pois o Senhor voltará em breve (isso o autor disse há 41 anos atrás). Até esse dia, é o seu desejo que o Barracão seja preservado para a finalidade feliz e santa de adorar a Quem se dispõe a encontrar o Seu povo numa construção tão humilde e que tem Se interessado pelos que se encontram ali através de todos esses anos. Que ele possa continuar a abençoar aqueles pregam e aqueles que ouvem o Evangelho ali, e que Ele abençoe especialmente a instrução das crianças naquele local, pois são as Escrituras que podem fazê-las sábias para a Salvação.

Termina aqui o livrinho. Pessoalmente, encantam-me os fatos que:

aqueles crentes são totalmente independentes de homens e de suas associações, submetendo-se unicamente ao Senhor e ao ensino do Espírito Santo através da sua Palavra.
confiam inteiramente no Senhor para o suprimento das suas necessidades.
reúnem-se com o propósito de adorar a Deus.
não se preocupam com a humildade do ambiente onde se reúnem.
têm as portas abertas para quem quiser entrar.
estudam e se guiam pela Palavra de Deus.
pregam o Evangelho de Cristo e batizam os que se convertem.
lembram a morte e a ressurreição do nosso Salvador regularmente na Ceia do Senhor.
Notem que o autor não entra em detalhes sobre a ordem da administração e do culto, muito debatidos entre nós e que causam até divisões não só dentro das igrejas mas entre igrejas. Nem sequer chama a congregação de “igreja”, o que seria perfeitamente correto. Penso que as suas prioridades estão certas. E as nossas?

autor: R David Jones.