A Caminho do Apocalipse 20 (1)

“Bem-aventurado aquele que lê, e os que ouvem as palavras desta profecia,
e guardam as coisas que nela estão escritas;
porque o tempo está próximo”

Apocalipse 1:3

CAPÍTULO 20 (1)

 

Pois então, prezado leitor, chegamos àquele que é considerado um dos capítulos mais polêmicos do Apocalipse e por isso faz-se necessária uma parte introdutória antes de iniciarmos a avaliação do contexto bíblico nele existente.

As controvérsias são tremendas, há autores que usam de linguagem um tanto hostil para defender o seu ponto de vista e, pessoalmente, não consigo compreender o motivo de tão grande alvoroço tendo em vista a absoluta clareza do texto bíblico contido neste capítulo.

Nele não há nenhum símbolo ainda não visto neste Livro que careça de uma interpretação mais rebuscada para que haja compreensão por aqueles que o leem. Eis o texto controvertido para muitos: Bem-aventurado e santo é aquele que tem parte na primeira ressurreição; sobre esses a segunda morte não tem autoridade; pelo contrário, serão sacerdotes de Deus e de Cristo e reinarão com ele os mil anos” (v. 6). Você poderá pensar: “Caramba! Como um texto que traz uma magnífica bem-aventurança pode ser tão controverso”. Esteja certo que isto fica por conta da falibilidade humana, por parte daqueles que quanto mais se sentem inseguros mais divergentes se tornam.

As contestações básicas são duas: (1) A existência do “reino milenar” regido pelo Senhor Jesus aqui na Terra e (2) quem serão os partícipes da “primeira ressurreição”, pois muitos incluem nela a ressurreição dos salvos na atual dispensação da Igreja. Assim interpretando, estão a asseverar que os cristãos autênticos passarão pelo período da grande tribulação, tornando, com isso, como se mentirosa fosse, a afirmação do consagrado apóstolo Paulo: “Jesus nos livra da ira vindoura” (1 Tessalonicenses 1:10).

Uma pergunta provavelmente você estará a fazer: “Como e por que surgiu toda essa desavença interpretativa?”. Como resposta, temos que ir ao período de trevas da cristandade. Na Bíblia de Jerusalém, comentada pelos “santos padres” da igreja católica, estão assim interpretados a primeira ressurreição e o reino milenar do Senhor Jesus: “Esta ressurreição dos mártires é simbólica; é a renovação da Igreja depois do término da perseguição romana... O reino de mil anos é, portanto, a fase terrestre do Reino de Deus, desde a queda de Roma até a vinda de Cristo... Para santo Agostinho e muitos outros, os “mil anos” se iniciam com a ressurreição de Cristo; a “primeira ressurreição” seria então o batismo... o milenarismo literal nunca foi favorecido na Igreja”. Não é preciso muito esforço para vermos o absurdo de uma interpretação como esta.

Essa ressurreição é absolutamente real, não simbólica como estão a afirmar, ou então, que se trata de uma “renovação da igreja”, no caso a católica, pois isto jamais existiu nessa igreja, o inverso á absolutamente verdadeiro, haja vista a recente renúncia do atual papa que não suportou as mazelas praticadas no seio daquela igreja. Terrível a afirmação que os “mil anos” estão a contar desde a queda de Roma até a vindoura chegada de Cristo, logo o Reino de Deus já está aqui através da igreja católica. Só que já se passaram “dois mil anos”, e não mil, entre um evento e o outro, mas para eles é tudo simbólico. A interpretação de Agostinho, então, é uma “pérola”! O milênio teria se iniciado com a ressurreição do Senhor Jesus e a “primeira ressurreição” seria o batismo, ou seja, para as crianças não serem pagãs e fazerem parte do reino divino aqui representado pela igreja católica é necessário que receba o Espírito Santo através da pia batismal. Dura coisa é ler e conseguir entender essa hermenêutica.

Mesmo com a chegada da reforma protestante, no século 16, essa interpretação errônea não foi completamente banida, tendo em vista que os “pais da reforma” vieram do seio daquela igreja e houve aqueles que entendiam que o Apocalipse não deveria nem fazer parte do cânone bíblico a ser usado pelos protestantes (hoje chamados de evangélicos), por acharem que além de simbólicos, aqueles acontecimentos, em sua grande maioria, já teriam ocorrido durante o império romano. Portanto, esse ranço interpretativo permaneceu até o século 18, quando Johann Albrecht Bengel, considerado o precursor do pré-milenarismo, começou a questionar esse enorme equívoco católico romano assim como de grande parte das denominações protestantes à época; posteriormente, no século 19, J. N. Darby deu prosseguimento ao entendimento de Bengel dando uma nova forma ao pré-milenarismo, ligando-o ao dispensacionalismo, cujos novos pontos de vista foram amplamente divulgados por C.I. Scofield, através de sua Bíblica de Referências. Por sinal, até hoje bastante criticada.

Por certo, a esta altura, o prezado leitor já pode estar achando um tanto enfadonha toda essa exposição contendo expressões compridas e estranhas, mas isto foi preciso para que cheguemos a uma compreensão exata acerca do motivo de tão grande desencontro de interpretações. Para melhor entendimento é preciso explicar quais são os argumentos de cada linha de pensamento. “Milênio” é uma expressão baseada na passagem contida neste 20° capítulo. A grande controvérsia existente diz respeito à posição teológica que cada comentarista possui acerca do retorno do Senhor Jesus, e o que acontecerá em relação a este período de “mil anos”. Três são os pensamentos a esse respeito, vamos a eles:

1.     Amilenaristas – Não creem na existência de um período milenar. Para eles essa expressão é simbólica, portanto não pode ser interpretada literalmente e se respaldam para isso que para Deus um dia é como se mil anos fossem (2 Pedro 3:8). Estes pensadores se dedicam a “espiritualizar” as Escrituras, principalmente os acontecimentos apocalípticos. Como exemplos dessa crença interpretam que Israel é a Igreja, que o trono de Davi é o Céu, dentre outros equívocos. Para eles o “milênio” já é uma realidade para o cristão. Os amilenaristas negam que haja uma primeira ressurreição antes do milênio e uma segunda ressurreição para os não salvos depois do “milênio”. Entendem que existirá apenas uma ressurreição geral com os salvos e os não salvos. Segundo eles o retorno literal de Cristo não é a vinda aos céus para arrebatar os Seus e a vinda com os Seus para estabelecer o Seu reino milenar aqui na Terra. Eles asseveram que haverá somente um retorno quando o Senhor Jesus virá para julgar este mundo e, para isso, não será necessário estabelecer um reino na Terra, pois Ele já reina nos corações do Seu povo. Quando um método de interpretação bíblica descarta por completo o literalismo, abre-se a possibilidade de se colocar uma interpretação pessoal naquilo que diz as Escrituras. O argumento de Pedro é claríssimo a esse respeito, a Bíblia não é aberta para interpretações particulares, pois cada passagem tem um ensino específico (leia 2 Pedro 1:20-21). Portanto, aquilo que está determinado em um texto bíblico tem que ser comparado com o contexto em que ele se encontra.

2.     Pós-milenarismo – É a “doutrina” que ensina que não haverá nenhum retorno do Senhor Jesus antes do fim do “milênio”. Esses creem que o “mundo inteiro” será evangelizado e convertido advindo disto um período milenar de paz e justiça ao fim do qual Jesus Cristo voltará. Simplesmente resumem que a Igreja fará com que o mundo melhore cada vez mais antes da vinda do Senhor. Eis um entendimento absurdo, pois dois mil anos se passaram e vemos em nossos dias que o inverso é absolutamente verdadeiro. Cada vez mais a humanidade está a se afastar de Deus e as consequências disto constatamos nos acontecimentos revelados neste Livro. As duas grandes guerras mundiais comprovam a crueldade existente nos corações dos humanos.  Para garantir essa “melhora” do mundo antes da vinda do Senhor Jesus, esses religiosos pregam um “evangelho social”, do bem estar coletivo, da prosperidade material e da saúde perfeita. Essa crença esforça-se para satisfazer as necessidades básicas das pessoas achando que isso influenciará a sua natureza pecaminosa que será transformada em uma natureza espiritual. Todavia, não foi isso que o Senhor Jesus afirmou na parábola da viúva persistente: “quando vier o Filho do Homem, achará, porventura, fé na terra?” (Lucas 18:8). Na verdade quando o Senhor Jesus voltar haverá somente um remanescente fiel a Ele. Esses tais defendem essa teoria respaldando-se em Mateus 24:14... “E será pregado este evangelho do reino por todo o mundo, para testemunho a todas as nações. Então virá o fim”. Por definição, o importante discurso do Senhor Jesus no monte das Oliveiras, contido em Mateus 24 e 25, é absolutamente profético e não diz respeito à atual dispensação, ele aponta para o período da tribulação e da Sua segunda vinda, e, como temos visto, reiteradamente, ao longo destes nossos estudos, a Igreja não participará deste contexto, pois antes do início da tribulação ela será arrebatada. A Bíblia enfatiza que o mundo piorará tanto mais perto estiver o retorno do Senhor Jesus (2 Timóteo 3:1-5). Ela deixa, com muita clareza, que não há nada de bom no homem carnal (Romanos 3:10-18; 7:18-19); que aqueles que praticam as obras da carne não herdarão o Reino de Deus (Gálatas 5:19-21). A melhoria das condições materiais, intelectuais ou meramente religiosas do homem jamais operará a sua salvação. Para que haja salvação é necessário um nascimento espiritual, pela Palavra de Deus e pelo Espírito (João 3:3-8). Se houvesse salvação fora do Senhor Jesus não haveria necessidade da Sua morte redentora. Se não houver a necessidade de arrependimento dos pecados e de se crer absolutamente no Senhor Jesus para que haja a salvação, não haveria o porquê de se pregar o Evangelho.

3.    Pré-milenarismo – É o princípio doutrinário correto de que o Senhor Jesus voltará ao mundo com os Seus para aqui estabelecer literalmente o Seu Reino por exatos mil anos. Diz-nos a esse respeito J. Allen: “Em contraste com as outras duas posições, tanto a que nega um verdadeiro milênio como a que prega a sua introdução pela pregação do Evangelho, está o ensino pré-milenarista. Este foi, na verdade, o ensino claro dado nos primeiros séculos da história da Igreja, até o tempo de Agostinho (século IV). Este princípio também apresenta o fato bíblico de o que o reino prometido será estabelecido quando da volta dramática de Cristo à Terra com a derrota violenta dos exércitos de Satanás (Apocalipse 19:11-21). O reino milenar então estabelecido será um período de exatamente mil anos, quando Cristo e Seus santos reinarão sobre a Terra a partir de Jerusalém, a cidade capital. Israel, como nação, se reconciliará com Deus e será a principal nação sobre a Terra. A paz e a justiça serão evidentes no ambiente transformado da Terra, e todas as promessas do Velho Testamento a Israel e às nações serão literalmente cumpridas. Não será permitida qualquer manifestação de pecado, e toda a Terra será cheia do conhecimento de Deus. Sobre o mesmo princípio de interpretação, a Igreja será retirada da Terra no arrebatamento antes da tribulação e do milênio, o que podemos resumir assim:

1.     Cristo virá pessoalmente, e literalmente, com poder e grande glória para estabelecer o Seu reino milenar sobre a Terra (Isaías 2:2-4; Daniel 7:13-14; Mateus 25:31-46).

2.     Antes que isso aconteça haverá um período de tribulação que durará sete anos e assim se completarão as setentas semanas de Daniel 9:24-27. Israel, em particular, e as nações em geral, passarão pelos juízos de Deus durante estes anos (Jeremias 30:4-7; Daniel 7:7-15; 8:23-25; 9:20-27; Mateus 24:3-31; João 5:22-23; 2 Tessalonicenses 2:1-12). Este período será conhecido na Terra como o dia do Senhor.

3.     Antes da tribulação, Cristo virá buscar a Sua Igreja, tirando-a da Terra (1 Tessalonicenses 4:13-18) e arrebatando-a ao Céu, dando início ao dia de Cristo, que inclui o Tribunal e as Bodas de Cristo com a Sua Igreja. Cristo trará a Igreja consigo quando voltar à Terra, e esta compartilhará com Ele o reino milenar...”.

Como vemos, prezado leitor, divergências como estas afastam as pessoas da verdadeira compreensão dos assuntos escatológicos e geram um entendimento açodado e com isso tão grande confusão. Na crônica que virá a seguir me dedicarei aos comentários do precioso trecho contido neste 20° capítulo. Enquanto isso, tenhamos em mente a exortação dada pelo apóstolo João, o mesmo autor de Apocalipse, em sua primeira epístola: Permaneça em vós o que ouvistes desde o princípio. Se em vós permanecer o que desde o princípio ouvistes, também permanecereis vós no Filho e no Pai. E esta é a promessa que ele mesmo nos fez, a vida eterna. Isto que vos acabo de escrever é acerca dos que vos procuram enganar" (1 João 2:24-26). Permita Deus que assim seja!

autor: José Carlos Jacintho de Campos.