Conte-me mais sobre a Igreja (10)

Uma versão editada dos
Princípios da Igreja no Novo Testamento de Arthur G. Clarke
Autorização concedida pela John Ritchie Christian Publications
Traduzido por R. David Jones

CAPÍTULO 10

DISCIPLINA DA IGREJA

O Novo Testamento nos ensina que a disciplina é importante na igreja local. Disciplina significa treinamento mediante instrução e correção. Às vezes significa apenas correção. Disciplina e governo são necessários em qualquer comunidade organizada, por exemplo, em escolas, cidades e nações. Uma comunidade indisciplinada não é de benefício para ninguém.

Na Bíblia, lemos sobre dois tipos de disciplina:

  • O próprio Senhor pode, por vezes, agir diretamente para disciplinar os indivíduos ou igrejas para trazê-los para mais perto de Si (Hebreus 12:5-13; Apocalipse 3:19). Este é um sinal especial da filiação e prova de amor do Pai dentro de Sua própria família, a esfera de relacionamento. Esta "correção" de Seus próprios filhos é bem diferente dos juízos de Deus em justa ira sobre o mundo ímpio. Também difere do julgamento que Deus pode passar sobre os indivíduos pela transgressão dos Seus mandamentos como em 1 Coríntios 11:29-32 ou em Atos 5:1-11.
  • Requer-se de uma igreja local a manutenção de disciplina para manter a ordem na "casa de Deus", a sua esfera de responsabilidade. Este tipo de disciplina é o assunto deste capítulo. É necessário porque a ilegalidade da presente era entrou em muitas igrejas através da carnalidade de muitos cristãos professos. Este espírito anárquico marcou Israel nos dias dos juízes (Juízes 21:25).

A igreja de Corinto foi repreendida pela falta de ação no caso de um homem cujo pecado vergonhoso era bem conhecido entre eles (1 Coríntios 5:1-7​​). Os crentes tinham se tornado tolerantes com o mal e estavam mais interessados na promoção dos seus muitos "dons" espirituais. A negligência no exercício da disciplina desonra o Senhor, dificulta o trabalho do Espírito Santo, e estraga o testemunho da igreja para o mundo ao redor. Uma igreja não deve negligenciar uma questão de disciplina, simplesmente por ser um dever desagradável (ver 1 Coríntios, capítulos 12 e 13).

A disciplina é necessária para lidar com as pessoas que perturbam a ordem divina em uma igreja. No exercício da disciplina, deve ser lembrado que a disciplina não é um teste de fé, mas de conduta. Não é para se decidir se uma pessoa é crente ou não (2 Timóteo 2:19). Também não deve ser uma forma conveniente de se livrar de um crente perturbador, que em vez disso requer muita paciência e oração.

O exercício da disciplina deve sempre ter os seguintes objetivos:

  • A plena restauração do ofensor (2 Coríntios 2:5-11; Gálatas 6:1);
  • A manutenção da integridade da igreja diante de Deus como um lugar santo, adequado para a Sua presença em seu meio;
  • Um aviso para todos que o descuido pode ser muito perigoso;
  • Vindicar o nome do Senhor perante o mundo mediante a remoção do opróbrio vindo sobre ela.

Se não for tratado imediatamente, o mal se espalha como fermento (1 Coríntios 5:6; Gálatas 5:9). Isto é ensinado na lei sobre pedras "leprosas" numa casa (Levítico 14:40-41), e também em Josué 7, onde se vê que o pecado de Acã teve consequências para toda a congregação de Israel.

FORMAS DE DISCIPLINA

A igreja local tem a responsabilidade de receber os verdadeiros crentes em comunhão, de remover da comunhão os infratores sérios, e de restaurar à comunhão os que estão verdadeiramente arrependidos. No entanto, a remoção da comunhão da igreja (excomunhão) não é a única forma de disciplina. Encontramos sete tipos de delitos listados no Novo Testamento, alguns mais graves do que outros, e cada um deve ser tratado de uma maneira diferente.

1. O infrator pessoal (Mateus 18:15-20; Lucas 17:3-4).

O Delito: É algo que só se comete entre indivíduos, por exemplo, maledicência ou quebra de confiança.

Procedimento: Primeiro, o infrator deve ser alertado pessoalmente da sua falta. Se ele se arrepender, pedir perdão e corrigir seu comportamento, ele deverá ser perdoado. Note que é necessária muita paciência (Mateus 18:21-22, 35; Lucas 17:4; Efésios 4:32; Colossenses 3:13). A segunda etapa ainda se faz privativamente (Mateus 18:16). Após a terceira etapa (Mateus 18:17), se os esforços para resolver o problema não forem bem sucedidos, o infrator deve ser tratado por aquele que foi prejudicado (não por toda a igreja) como um estranho. Até que o assunto seja resolvido, não pode haver comunhão entre os dois. Mateus 5:22-24 considera este tipo de ofensa do ponto de vista de quem sabe que deu motivo de queixa, e ele deve agir. [1]

2. O irmão surpreendido em algum delito (Gálatas 6:1-3)

O Delito: É um lapso ou erro temporário, não em consequência de deliberadamente seguir o mal. O irmão é sobrepujado por uma tentação e falha num momento de descuido.

Procedimento: A palavra "restaurar" basicamente significa reajustar. É usada em cirurgia para descrever a reparação de uma junta deslocada, e na pesca para descrever o remendar de redes abertas (Marcos 1:19 etc.). 1 Timóteo 5:20 refere-se principalmente a um ancião, mas afirma um princípio geral. A regra é - ofensa particular, repreensão particular; ofensa pública, repreensão pública.

3. O que está ocioso e é intrometido (2 Tessalonicenses 3:6-15, 1 Tessalonicenses 4:11-12).

O Delito: Está "andando desordenadamente", em desobediência à Palavra de Deus (2 Tessalonicenses 3:14). "Desordenadamente" indica "fora de sintonia", havendo falta de cooperação até mesmo ao ponto de insubordinação. A desordem especificada aqui é ser "intrometido", isto é, andar bisbilhotando, maldizendo, ou atrás de algum interesse egoísta.

Procedimento: Uma pessoa como esta deve ser admoestada pelos anciãos (1 Tessalonicenses 5:14). Se isso não der certo, os crentes são instruídos a se afastarem dele (2 Tessalonicenses 3:6-14). Isto não é o mesmo que excomungar, mas sim restringir a comunhão com ele (v. 15). Se isso for realizado fielmente, o infrator logo deverá perceber a sua culpa.

4. O pregador sem proveito (Tito 1:9-14; 1 Coríntios 14:26-29).

O Delito: Aquele que persistentemente desperdiça o tempo dos santos falando sem proveito o que chama de "ministério" (Tito 1:10; comparar com Jó 15:2-3).

Procedimento: É necessária a advertência e forte reprovação (Tito 1:13) para silenciar esses homens (vs. 10-11). É da responsabilidade dos anciãos evitar esse abuso de liberdade na igreja. Se for negligenciado, o problema pode se espalhar (Tito 3:9-11). Aqui, um "faccioso" não significa alguém que nega a fé, mas um que tenta obter apoio para suas opiniões (especialmente em matéria de interpretação das Escrituras e outras coisas sem importância vital). Se não for contido, isso pode levar à abertura de uma divisão na igreja.

5. O promotor de divisão (Romanos 16:17-20; Tito 3:9-11; Atos 20:30).

O Delito: É um sério mal promover divisão em uma igreja, causando outros a tropeçar e se desanimarem. Algumas pessoas podem se concentrar em algum elemento de verdade e mesmo distorcer o seu significado, persuadindo outros crentes a pensar que não há outro caminho. Um espírito partidário pode se desenvolver, que perturba a unidade da igreja, levando-a a divisões. Nunca se deveria permitir que diferenças de opinião ou de julgamento cheguem a este ponto. Deus quer que Seu povo viva em união (Salmo 133:1).

Procedimento: Em primeiro lugar, o infrator deverá ser advertido e repreendido (Gálatas 2:11-14; 1 Timóteo 5:20). Se isso não der certo, em seguida, de acordo com as escrituras acima, os crentes na igreja devem "marcar", "evitar" e "afastar-se" dessas pessoas. Se este procedimento for seguido por todos, não podem ocorrer divisões. Em Corinto, embora os cristãos professassem estar unidos, existia o perigo de divisão em partidos rivais (1 Coríntios 1:10-15). Essa situação era evidência da sua carnalidade. É o diabo que instiga esse mal e a carne está sempre pronta a atender (Romanos 14:18-20). Atos 20:28-31 dá um aviso duplo e aponta uma dupla responsabilidade dos anciãos nesta grave questão.

6. O malfeitor grave (1 Coríntios 5:1-13; 6:9-10).

O Delito: A pessoa é culpada de algum pecado moral sério. Tais casos são relacionados em 1 Coríntios 5:11 da seguinte forma:

  • “Devasso" significa todos os casos de relações sexuais ilícitas.
  • "Avarento" significa todas as manifestações de desejo mau para o ganho, como nos jogos de azar, ou em astúcia nos negócios - comparar Efésios 5:5; 2 Pedro 2:14; 1 Timóteo 6:9-10.
  • "Idólatra" inclui qualquer envolvimento com feitiçaria, espiritismo, ou algum falso sistema de adoração (embora possa apresentar um rótulo de "cristão").
  • "Maldizente" significa aquele que acusa ou difama o caráter de outro, ou faz falsas acusações de maneira ruidosa e persistente.
  • "Beberrão" é uma pessoa viciada em beber álcool e ficar embriagada.
  • “Roubador” (extorsionário) inclui todos os casos evidentes de desonestidade e trapaça, como apropriação indevida de propriedades e fundos financeiros, fraude e exploração, especialmente o roubo dos pobres (Tiago 5:1-6).

Procedimento: "Não vos comuniqueis" significa uma rejeição formal da comunhão da igreja (às vezes chamada excomunhão), para ser seguida pela ausência de qualquer contato social (1 Coríntios 5:11-13). Não se trata simplesmente de recusar-lhe o privilégio de tomar parte na Ceia do Senhor, mas de colocar o ofensor na esfera do mundo onde Satanás governa, um lugar perigoso e inseguro para estar (1 Coríntios 5:5; 1 Timóteo 1:20; 2 Timóteo 2:25-26). Nesta medida extrema de disciplina, é necessária uma investigação cuidadosa de todas as circunstâncias. Em Corinto o pecado era conhecido tão abertamente que não foi necessário fazer nenhuma investigação adicional. É bom notar como as medidas tomadas pela igreja em Corinto foram eficazes em trazer o irmão culpado ao arrependimento, fazendo possível a restauração - veja 2 Coríntios 2:1-11; 7:9-12.

7. O ensinador de doutrina falsa (2 Pedro 2:1-3; 2 João vs. 9-11; 1 Timóteo 4:1; 2 Coríntios 11:13-15).

O Delito: É ensinar o erro. É o erro fundamental, não apenas diferenças de interpretação de algumas Escrituras. A falsa doutrina pode ser mais destrutiva do que a imoralidade, que é mais facilmente reconhecida pela maioria dos cristãos.

Procedimento: A ação é a mesma que a dos casos de má moral. É o fermento que deve ser eliminado (Gálatas 5:9; 1 Coríntios 5:6-7). O ensinamento do apóstolo é semelhante para ambos os tipos de mal (1 Coríntios 5:5 com 2 Timóteo 2:18; 1 Timóteo 1:20). Assim, o professor de doutrina errada deve ser colocado longe da comunhão, e nenhum contato social deve ser permitido (2 João vs. 9-11).

PRINCÍPIOS DA DISCIPLINA

1. O julgamento deve ser sempre justo.

O padrão cristão é mais alto do que o dos tribunais do mundo (1 Coríntios 6:2-3). Os anciãos piedosos devem investigar cuidadosamente, rejeitando qualquer testemunho isolado sem apoio (Mateus 18:16; 1 Timóteo 5:19). Não são os anciãos, mas a igreja que age em "colocar fora de comunhão" quando necessário. Um breve relatório somente do que for essencial deve ser dado à igreja.

Não deve haver parcialidade (1 Timóteo 5:21; Tiago 3:17; 2:1-4). O julgamento não deve ser influenciado por relações naturais ou amizades (Atos 15:36-39). Devem ser evitados os extremismos. Severidade exagerada pode dividir a igreja e muita indulgência pode aumentar o mal. A ação desequilibrada destrói a confiança dos santos em seus líderes e desonra o Senhor. A severidade em questões menores, negligenciando princípios divinos seria um grave erro (Mateus 15:1-20, 23:23-24; Lucas 11:42; Romanos 14:1-3, 15:7). Essa falta de equilíbrio foi encontrada em Israel, nos dias dos juízes, ver capítulos 17 a 20. Houve reação unânime e violenta contra a imoralidade, mas grande indiferença na questão de idolatria.

2. As decisões da igreja devem ser sempre apoiadas.

Uma compaixão indigna para com um infrator pode incentivar mais delitos e dificultar o arrependimento e a restauração. O simpatizante poderia ser visto como um cúmplice do mal e assim estar sujeito à disciplina também (1 Timóteo 5:22, 2 João v. 11). Um crente sob disciplina em uma igreja não deve ser prontamente recebido em outra. Se os anciãos dessa outra igreja julgam que a primeira igreja foi muito precipitada ou muito severa, seria melhor primeiro abordar os anciãos dessa igreja para buscar a reconciliação. Caso contrário a comunhão entre estas igrejas será prejudicada.

3. A retirada não substitui disciplina.

Se um infrator deixa de participar das reuniões da igreja, talvez para evitar a desgraça da repreensão pública, a igreja ainda deve tomar uma atitude. No entanto, a ausência de um crente por frieza de coração exige pastoreio. Isto é diferente da ausência para escapar da disciplina.

4. Deve haver provas suficientes de arrependimento.

A restauração ao Senhor deve preceder a restauração à comunhão da igreja. O verdadeiro arrependimento é demonstrado pelo afastamento total do mal e da restituição quando possível. As Escrituras não defendem uma demora muito prolongada antes da restauração (2 Coríntios 2:5-11). Tanto sabedoria como amor fraternal são necessários (1 Coríntios 13:4-8; Gálatas 6:2). Ao que for restaurado seria melhor abster-se por algum tempo de serviço público, para provar a sua sinceridade mediante um espírito humilde e um andar consistente. A restauração de Pedro depois do seu triste lapso no pecado aconteceu apenas alguns dias mais tarde, mas devemos lembrar que o Senhor conhecia o coração de Pedro, enquanto o nosso conhecimento dos homens é muito limitado.

5. Cada igreja é por si só responsável perante o Senhor.

A rejeição de uma igreja ou grupo de igrejas por outras igrejas é completamente desconhecida na Palavra de Deus. Embora a igreja de Corinto estivesse em uma condição tão carnal, não foi rejeitada ou cortada por outras igrejas. Em Apocalipse, capítulos 2 e 3, vemos que o Senhor teve que repreender várias das igrejas pelos seus fracassos, mas Ele nunca sugeriu que outras pudessem julgá-las ou cortá-las. É só o Senhor que está autorizado a "remover o candelabro" se Ele assim entender (Apocalipse 2:5, 3:16). Onde a má moral ou os maus ensinos doutrinários de alguma forma tolerados em uma igreja, os crentes tementes a Deus podem ter que considerar afastar-se dela como se fosse “desordeira”, mas só depois que protestos adequados foram feitos e falharam. Antes de tomar um passo sério e final como este, deve haver muita oração e deve-se evitar agir apressadamente. A ordem bíblica deve ser sempre observada.

Nota de rodapé 1

Às vezes, surgem situações embaraçosas em que os irmãos ofendidos não querem se reconciliar e ambos continuam a assistir e até mesmo participar das reuniões de igreja. O que pode ser feito? Se o ofendido está observando o princípio de Lucas 17:3-4, então os anciãos devem lembrar o infrator de Mateus 5:23-24, e avisá-lo que está exposto à acusação de “andar desordenadamente” que o tornará susceptível à disciplina de acordo com 1 Tessalonicenses 5:14-15 e 2 Tessalonicenses 3:6. Enquanto isso, a igreja deve continuar em oração privada e pública para que o Senhor cure a brecha que está estragando a unidade da igreja.

PARA ESTUDO ADICIONAL

  • Qual é a diferença entre a disciplina do Pai aos Seus filhos e a disciplina em uma igreja local? Encontre uma referência bíblica que descreva cada uma delas.
  • Por que é necessária disciplina na família de Deus e na igreja local?
  • Que outras palavras podem descrever a disciplina em seu sentido mais amplo?
  • Disciplina é o mesmo que castigo? Por quê?
  • Quais são os princípios bíblicos que devem governar todos os tipos de disciplina da igreja?
  • Faça uma lista de tipos diferentes de irregularidade em uma igreja local que exigem disciplina.
  • Quais são os objetivos da disciplina da igreja? Anote versículos da Bíblia para apoiar o que você diz.

PONTOS PARA LEMBRAR

  • Disciplina é necessária na igreja local para manter os padrões divinos e beneficiar seus usuários.
  • Os anciãos em uma igreja local são responsáveis ​​pelo exercício da disciplina de acordo com o ensinamento do Novo Testamento.
  • Várias formas de disciplina são possíveis, a mais grave das quais é a excomunhão de um infrator.
  • A disciplina deve ter sempre em vista a eventual restauração do infrator.
  • Todas as formas de disciplina devem ser consideradas justas e imparciais.
  • As igrejas locais são autônomas - elas não têm nenhuma responsabilidade ou direito de interferir nos assuntos de outra igreja.
autor: Bert Cargill.