Filhos da obediência

1 Pedro 1:13-25

Crônica oportuna para o contexto de devassidão que vivenciamos nestes dias de acentuada carnalidade e alienação de Deus (“festa da carne”), afetando o testemunho de muitos que, se dizendo cristãos, não se portam como “filhos da obediência”.

A primeira epístola de Pedro, dirigida aos "forasteiros da Dispersão" (1:1), contém substancial ensino a respeito. Esses “forasteiros” eram crentes que, como o antigo Israel, haviam sido espalhados pelo mundo. Mas eram, os leitores dessa carta, predominantemente gentios e não judeus (1:14; 2:9-10; 4:3¬4). A situação deles era de “provação” e de “sofrimento” (4:12), não devido a algum edito imperial romano contra os cristãos, o que só veio a acontecer mais tarde.

Ainda que não tenhamos indicações precisas acerca do tempo de composição da carta, acredita-se que foi escrita muito próximo do ano 64 aD, em Roma, pouco antes da grande tribulação que Nero desencadeou contra os cristãos daquela cidade. Os sofrimentos aqui mencionados são aqueles comuns aos cristãos que vivem fielmente, numa sociedade pagã e hostil. Os leitores são encorajados a se regozijarem em tais provações e sofrimentos e a viverem acima deles.

O tema básico da carta se encontra em 5:12: "a genuína graça de Deus". Esse tema importante envolve cinco aspectos: Salvação, Santidade, Sobriedade, Submissão e Sofrimento. O tema desta crônica foca a expressão que Pedro usou no versículo 14... “filhos da obediência”.

Vale considerar alguns aspectos preliminares sobre essa condição do verdadeiro cristão:

  • Ser "filho de Deus" é um privilégio dos que nascem de novo (João 1:12);
  • É uma operação "espiritual", que nada tem a ver com o nascimento natural (João 1:13). Os agentes que operam esse novo nascimento são a Palavra de Deus (semente incorruptível, viva e permanente - 1:23-25, conforme Isaías 40:6-8 e Tiago 1:10-11) e o Espírito Santo (Romanos 8:16-17, Efésios 5:1);
  • Essa condição implica em responsabilidade do cristão perante Deus: ser "filho da obediência" (v. 22 - "obediência à verdade")

Vejamos, agora, no texto, as sete características dos "filhos da obediência" (notem as expressões usadas no modo imperativo pelo apóstolo Pedro):

1. "Cingindo o vosso entendimento" (v. 13a) – Isso significa ser disciplinado na maneira de pensar e de se conduzir. Pedro usa a figura de linguagem baseada no ato de dobrar e prender ao cinto as longas vestes orientais de modo a não atrapalhar a atividade do indivíduo. Essa disciplina necessária implica com o serviço, a luta, a caminhada e com todas as atitudes que resultam de nossas decisões de ser, estar ou fazer. Consistem em:

  • Suprir o entendimento com a Verdade (A Palavra de Deus);
  • Submetê-lo à Sabedoria de Deus (1 Coríntios 2:6-9);
  • Permitir que o Espírito Santo seja o Ensinador e Administrador do comportamento (1 Coríntios 2:10-13; Colossenses 1:9-12).

2. "Sede sóbrios" (v. 13 b) – É mais do que abstinência à embriaguez, é seriedade e veracidade de pensamento e conduta. É ser moderado, não fanático, equilibrado, levando a sério a vocação própria e olhando para a consumação da sua esperança. Avaliando, adequadamente, os fatos e os atos, sem emoção ou temores.

  • É benéfica ao exercício e eficácia da oração - 4:7;
  • É defesa contra as tentações – 5:8.

3. “Esperai inteiramente na graça” (v. 13c) – A esperança na graça implica na "expectativa da eternidade". A graça tem projeção eterna: a revelação de Jesus Cristo ("esperai inteiramente na graça que vos está sendo trazida na revelação de Jesus Cristo''). A "Graça" é o fenomenal instrumento divino para beneficiar o homem, apesar de sua condição de pecador perdido. Tem múltiplos aspectos revelados na Palavra de Deus. Deus é "gracioso" e age, desde o princípio, manifestando a Sua Maravilhosa Graça. Em Tito 2:11-14, Paulo aborda três aspectos da manifestação da Graça de Deus:

  •  No passado – A Graça Salvadora a todos os homens.
  • No presente – A Graça Educadora, para que vivamos no presente século de forma sensata (atitude para conosco), justa (atitude para com os outros) e piedosamente (atitude para com Deus), renegadas a impiedade e as paixões mundanas.
  • No futuro – A expectativa da eternidade, isto é, conduz-nos a aguardar a "bendita esperança", a manifestação da glória do nosso grande Deus e Salvador Jesus Cristo. Pedro nos exorta, no texto sob exame, a "esperar inteiramente". Fala aí de uma dependência “total” (por completo), com maturidade, olhando para frente e antecipando a Graça de Deus que nos será trazida na Revelação de Jesus Cristo. A paciência cristã tem uma qualidade espiritual: é a constância na esperança de nosso Senhor Jesus Cristo!

4. "Não vos amoldeis às paixões" (v. 14) – A "paixão" (concupiscência) é a inclinação natural que se torna bravia, vencendo toda a resistência e impondo a sua vontade imperiosa. Notem a expressão "que tínheis anteriormente na vossa ignorância". Era a condição natural da velha criatura. Isso como resultado da ignorância das verdades que a Palavra de Deus revela sobre a nova vida em Cristo. Notem a expressão "não vos amoldeis". A nova vida tem "molde novo"! Não devemos nos deixar amoldar pelos maus desejos de outrora, quando vivíamos na ignorância. Não há compatibilidade na vida do "homem natural" (velha criatura) com o "homem espiritual” (nova criatura). Quando o homem espiritual se deixa amoldar às paixões anteriores torna-se "homem carnal", um filho da desobediência, reprovado pelo Senhor! Vejam 2 Coríntios 5:17; Romanos 12:1-2; Efésios 2:3; 4:17-18; 1 Pedro 2:1-2; 1 João 2:17-17.

5. "Tornai-vos santos" (v. 15) – A Santidade é condição essencial de uma vida efetivamente espiritual. Sem santidade não há "filhos da obediência". Significa: Separação “do” pecado e da impureza do mundo; Separação “para” Deus. O contexto da expressão sob exame nos conduz a preciosos pensamentos:

  • “Deus é Santo, Santo, Santo” (Isaías 6:3)! Esse aspecto era essencial na histórica relação do povo israelita com Deus (Levítico 11:44; 19:2; 20:7, conforme Mateus 5:48);
  • Porque Deus é Santo “devemos ser santos”! A perfeição moral completa de Deus, cujos olhos são demasiados puros para contemplar o mal com tolerância, deve inspirar o Seu povo a esforçar-se para manifestar a beleza moral. A primeira carta de Pedro é amplamente exortativa nesse sentido. Esse aspecto, também, era essencial na relação histórica de Deus com o Seu povo (vejam os textos acima). A palavra chave do Livro de Levítico é "Santidade". Em 1 João 3:3 vemos que a expectativa da volta do Senhor deve ser um incentivo forte à Santidade. Paulo ensina em 1 Tessalonicenses 4:3-7, que a vontade de Deus é a nossa santificação. Ela é essencial à nossa espiritualidade;
  • A nossa santificação é um processo irrecusável. Vejam como Pedro mostra isso usando o verbo "tornai-vos". Não podemos nos furtar na vida cristã ao envolvimento imperioso nesse processo, buscando, a cada dia, uma nova postura de santificação progressiva;
  • A santificação implica numa consagração “total” da nossa parte. Vejam que Pedro exorta nesse sentido ao afirmar: "em todo o vosso procedimento". Não deve haver qualquer aspecto do nosso procedimento que escape a essencial manifestação de Santidade!

6. "Portai-vos com temor" (v. 17) – A expressão "portai-vos" tem sentido abrangente da atuação humana: implica no nosso "ser", no nosso "agir" e no nosso "pensar". Pedro dá a receita certa para que o nosso porte corresponda ao querer de Deus, como filhos da obediência: "portai-vos com temor". Não significa isso ter medo ou pavor de Deus. Deus não é carrasco, maldoso, rancoroso, déspota, pretendendo que vivamos a dEle ter medo e, por isso, dEle nos escondendo. Vemos, ao passar pela Bíblia, que o Senhor Deus sempre colocou essa atitude como essencial para que estejamos capacitados a servi-Lo com eficiência, alcançando os Seus Soberanos propósitos para a nossa vida abençoada. Temer a Deus é manifestar a reverência e o respeito sadios para com Deus, que se tornam na base de todo o viver piedoso. O temor de Deus é o princípio de toda a Sabedoria! (Vejam Provérbios 1:7; 8:13; 16:6). Temer a Deus é colocarmo-nos perante a Sua Presença, com reverência, confiança e ousadia, para dEle recebermos toda a provisão de que necessitamos para realizarmos, com sucesso, a Sua Soberana Vontade. Pedro acrescenta, ainda, uma condição essencial, que deve estar presente na manifestação do nosso temor a Deus. Temer a Deus não é atitude eventual, esporádica. Não devemos temer a Deus apenas quando nos convém. Afirma Pedro: "em todo o tempo". O que deve conduzir-nos ao temor de Deus não são as nossas conveniências pessoais ou circunstanciais, mas o que Deus é (vejam Deuteronômio 10:17). Por isso devemos temê-Lo em todo o tempo. O motivo dessa atitude deve ser a Gloriosa Redenção com que Deus nos beneficiou! (vejam vs. 18-21).

7. "Amai-vos, de coração, uns aos outros, ardentemente" (v. 22) – Aí Pedro mostra uma característica fundamental dos filhos da obediência. Esse foi o novo mandamento que o Senhor Jesus nos deixou. Diz Ele que devemos amar como Ele nos amou. Mais: que é no exercício sincero e eficaz do amor fraternal recíproco, que o mundo há de conhecer que somos discípulos verdadeiros do Senhor (João 13:34-¬35). Paulo, em Romanos 12:9-10, afirma que o amor deve ser sem hipocrisia, detestando o mal e apegados ao bem. Vejam como Pedro descreve a atitude correta do que ama de verdade ao seu irmão: “tendo purificado a vossa alma”, o amor é prova de santificação; “pela vossa obediência à verdade”, o amor é prova de nossa sincera submissão ao Senhor e à Sua Palavra; “não deve ser fingido”, o fingimento nega a eficácia do amor; “de coração”, o coração é o centro de nossas convicções; “ardentemente”, isto é, com todas as nossas forças interiores e com todo o ardor. Vejam 1 João 4:7-8, 11-20. Vejam como Paulo elogia os seus leitores pelo amor aos irmãos na fé, conclamando-os a amarem mais, com fervor (1 Tessalonicenses 4:9-10).

Conclusão: No contexto devasso dos nossos dias, caracterizado pela carnalidade e alienação de Deus, devemos adotar, com firmeza e convicção, as exortações oportunas de Pedro, acima vistas, que nos darão a dimensão desejada pelo Senhor de “filhos da obediência”.

autor: Jayro Gonçalves.