O caráter sobrenatural do Evangelho e do seu ministério

2 Coríntios 4:1-7

Vivemos dias em que a menção às expressões “Evangelho”, “evangélicos” e “evangelização” se tornou lugar comum na linguagem não só religiosa, como popular. Falta uma compreensão correta, com base bíblica, desses termos e, consequentemente, do seu caráter sobrenatural bem como do seu respectivo ministério.

Em razão das muitas perseguições, sofrimentos e aflições, Paulo teve que lutar contra as acusações de que ele não era um verdadeiro apóstolo de Cristo, que lhe eram movidas pelos falsos mestres que procuravam perturbar a mente do povo, instigando-o contra os seus amigos. Neste capítulo Paulo procura afirmar o seu zelo e integridade intransigentes na pregação do Evangelho de tal modo que, se alguém não visse a glória e a verdade do Evangelho, era somente devido a Satanás os haver cegado e à dureza dos seus próprios corações, nunca pela ausência de um verdadeiro ministro e de uma verdadeira mensagem, que se revestia de caráter sobrenatural e, por isso, valia por si só, independentemente da qualidade do ministro que a divulgasse.

Vejamos como ele desenvolve esse tema:

1. A razão da eficácia no exercício do ministério sobrenatural do Evangelho (v. 1)

Paulo credita a eficácia no exercício do ministério evangelístico à “misericórdia” de Deus (“segundo a misericórdia que nos foi feita”). Uma vez que temos este ministério do Espírito e da vida (escrito no coração, não na letra, mas no espírito) de justificação e de uma perfeita justiça por meio de Cristo, este ministério da glória redentora de Deus na Pessoa e na Obra de Cristo, não nos desencorajamos nem desfalecemos em nosso espírito por causa das dificuldades e das provações (João 16:33; 2 Timóteo 3:12; Filipenses 1:29). A nossa vocação para o ministério se obtém pela misericórdia e graça de Deus tal como a nossa força e o nosso poder para perseverarmos através das muitas dificuldades (2 Coríntios 12:9,10). O melhor homem desfaleceria sob tal tarefa e pereceria sob tais provações e fardos sem a graça e a misericórdia de Deus (1 Coríntios 15:10). Foi o próprio Deus, em Sua misericórdia, que nos deu este trabalho maravilhoso (de contar Sua Boa-Nova aos outros) e, por isso, nunca desanimamos.

2. Cuidado com os motivos do exercício do ministério sobrenatural do Evangelho (v. 2)

Paulo não procurava enganar o povo para que cresse como muitos hoje fazem! Não estava interessado em fazer trapaça com ninguém. Nunca procurou fazer com que alguém cresse que a Bíblia ensina o que ela não ensina. Chama a esses métodos de “vergonhosos”. Considerava-se, sempre, “na presença de Deus” quando falava e, por isso, dizia a verdade e desafiava os que o ouviam a testemunharem a respeito desse seu procedimento (“nos recomendamos à consciência de todo o homem”). Nenhuma argumentação humana serve para recomendar o Evangelho ao mundo: isso se torna, inevitavelmente, “astúcia”. Paulo rejeitava as coisas “ocultas da desonestidade”. Era o mesmo homem, tanto em público como em particular. No que diz respeito à conduta, comportamento e doutrina era aberto, franco e leal (Mateus 7:15). Digno exemplo para nós, na responsabilidade que nos incumbe no ministério. Os falsos mestres têm muito que esconder quanto a motivos, maneiras e métodos. Falam uma coisa em segredo e outra perante a congregação. Paulo nos ensina aí a não andarmos em astúcia, nem usarmos de falsidade, nem de embustes, servindo-nos das pessoas como máscara do nosso verdadeiro alvo para aumentarmos o nosso lucro e a nossa glória! Há muitos traficantes e mercadores de almas que usam a religião e o Evangelho para se promoverem e não a glória de Deus (1 Pedro 2:1-2). Paulo diz: “nem adulterando a palavra de Deus”, isto é corrompendo-a com as obras humanas, tradições e filosofia, não retendo parte dela nem a torcendo para satisfazer a carne, nem gritar “paz, paz” quando não há paz (Gálatas 2:21; Atos 20:20,27). Afinal, Paulo pregava com clareza e ousadia a verdade do Evangelho tal como é revelado em Jesus Cristo (Atos 13:17). Uma vida aprumada e uma verdadeira mensagem de Cristo crucificado são as recomendações de que um ministro necessita perante homens e mulheres que conhecem a Deus.

3. Porque o ministério sobrenatural do Evangelho não aproveita a muitos (vs. 3-4)

Paulo chama aí o Evangelho de “o nosso evangelho”, não porque fosse mensagem sua, mas porque foi salvo por ele. Paulo foi instrumento de Deus chamado para pregar o Evangelho e assim estava verdadeiramente apaixonado e obcecado por ele, pois lhe fora confiado (1 Timóteo 1:11,12). Se aquele bendito Evangelho da graça de Deus ficar oculto ou “encoberto”, de modo que os homens não o compreendam, não o recebam e nem creiam nele, a falha não está no Evangelho nem em quem o prega, mas nos homens, pois são homens naturais, isto é, apenas carnais, perdidos, cegos, mortos espiritualmente, sem percepção espiritual nem inclinação alguma para as coisas de Deus (2 Coríntios 2:14,15). Por isso “é para os que se perdem que está encoberto”. A palavra “encoberto” é a mesma usada em 3:13 (“punha véu”), e o pensamento se liga àquela passagem. Toda a humanidade está na condição de perdida por nascimento e devido ao pecado. Deus Se propôs salvar os perdidos por meio de Cristo (Lucas 19:10). Aos que creem na Sua proposta de graça salvadora, manifestada no ministério sobrenatural do Evangelho, a esses Cristo redime e o Espírito Santo neles passa a habitar. Todavia, muitos ficarão perdidos para todo o sempre por causa da sua incredulidade, entregues à cegueira e ao pecado, sob o domínio de Satanás. A estes é que Paulo se refere nos vs. 3 e 4. A expressão “deus deste século”, no v. 4, devido ao contexto e à obra de engano e de cegueira no homem para com o Evangelho, só pode referir-se a Satanás.

Em nenhuma outra parte o encontramos chamado por esse nome, mas o Senhor por duas vezes se referiu a ele como o “príncipe deste mundo” (João 12:31; 14:30). O que ele cega é a mente, o entendimento. As pessoas que não creem no Evangelho estão sob a influência de Satanás (Efésios 2:1-3), que penetra nas mentes e nos corações com preconceitos, vaidade, erro e ignorância. Por permissão divina tem grande poder no mundo e nos corações dos homens, tendo como propósito mantê-los em trevas e ignorância. Embora não possa banir o Evangelho deste mundo, ocupa-se em mantê-lo fora dos corações dos homens. O Evangelho glorioso é o Evangelho da glória de Deus (Êxodo 33:18,19) em Cristo. Cristo é a expressa imagem e revelação de Deus, é em suma a substância do Evangelho (Romanos 1:1-3). A salvação é ter Cristo revelando-Se “a nós” e “em nós” (Gálatas 1:15). Ao afirmar “luz do evangelho da glória de Cristo”, Paulo está chamando, outra vez, a atenção para a “glória” do Evangelho, tendo ainda em mente o ministério da lei, a que se referira antes. Em 1 Coríntios 11:7, Paulo declara que o homem é “a imagem de Deus”, voltando o pensamento a Gênesis 1:26. O pecado deslustrou essa imagem em toda a humanidade, mas é vista, de novo, perfeitamente, “em Cristo”!

4. O Senhorio de Cristo no ministério sobrenatural do Evangelho (v. 5)

Paulo afirma que não vai de um lado para outro pregando a si próprio (“não nos pregamos a nós mesmos”), mas a “Cristo Jesus como Senhor”. Declara, ainda, que tudo quanto diz de si mesmo é que é escravo dos seus ouvintes (“nós mesmos como vossos servos por amor de Jesus”), por causa daquilo que o Senhor Jesus fez por nós. Não devemos pregar as nossas opiniões, as nossas filosofias, nem com o fim de promovermos a nós próprios nem de suprirmos as necessidades da nossa vida. Devemos pregar a “Cristo, o Senhor” (1 Coríntios 2:2), a Cristo como o Messias, Profeta, Sacerdote e Rei, o cumprimento de todos os tipos ou símbolos e promessas do Velho Testamento. Pregar a Jesus Cristo, o Filho do Homem, Homem de Dores, contado com os transgressores, tentado em todas as coisas, o Senhor, Deus verdadeiro, Rei dos reis e Senhor dos senhores. Devemos dizer: “somos os vossos servos por amor d’Ele” (Mateus 20:26-27). O Senhorio Supremo de Cristo era o ponto básico da pregação apostólica (Romanos 10:9; Filipenses 2:11). Paulo se chama “escravo” (gr=doulos) muitas vezes (Romanos 1:1; Gálatas 1:10; Filipenses 1:1; Tito 1:1). Neste verso usa a expressão para descrever a sua relação com os crentes de Corinto.

5. O ministério sobrenatural do Evangelho produz luz nas trevas (v. 6)

Por ocasião da criação do mundo, Deus do nada fez alguma coisa (Hebreus 11:3). Ordenou que a luz brilhasse nas trevas (Gênesis 1:3). Do mesmo modo na nova criação em Cristo, Deus faz algo do nada e ordena à luz (Cristo é a Luz - João 8:12) que brilhe nos corações obscurecidos, a fim de nos comunicar o verdadeiro conhecimento de Deus e da Sua Glória (1 João 5:20). Assim como, na criação, a luz foi a primeira produção, a Luz de Cristo é a primeira coisa na nova criação. A convicção do pecado (João 16:8-10), a honra da lei (Romanos 5:19), a satisfação da justiça de Deus (Romanos 3:25, 26) e a fé (Gálatas 2:20), tudo é cumprido no pecador que está relacionado com Cristo Jesus (“ele mesmo resplandeceu em nossos corações, para iluminação do conhecimento da glória de Deus na face de Cristo”). Até mesmo o nosso crescimento espiritual se opera na graça e no conhecimento de Cristo (2 Pedro 3:18). Portanto, desde o novo nascimento até à conformidade de Cristo, toda a obra da redenção é relativa ou dependente de Cristo. Iluminação espiritual acompanha a regeneração, e esta, por sua, vez, origina-se em Cristo.

6. O ministério sobrenatural do Evangelho é manifesto do poder de Deus em vasos de barro (v. 7)

O Evangelho de Cristo é chamado um “tesouro”, na medida em que contém a rica verdade, as ricas bênçãos tais como a redenção, a satisfação e a justificação. Contém, ainda, as ricas e preciosas promessas, declara as riquezas da graça e da misericórdia de Deus em Cristo. Paulo afirma aí que o Evangelho é uma joia de valor incalculável que lhe foi entregue (Efésios 3:1,2,7,8). Diz que “temos, porém, este tesouro em vasos de barro”. Refere-se àqueles a quem Deus confiou o Evangelho e por intermédio de quem o envia aos pecadores. A natureza humana em sua debilidade e fragilidade se descreve com a expressão “vasos de barro” (Atos 9:15). Mesmo salvos, somos fracos e débeis criaturas, sujeitas às mesmas paixões que outros (Tiago 5:17; 1 João 2:5-7). Mas Deus faz dos mais desprezíveis os Seus instrumentos da graça para que Ele tenha toda a glória (1 Coríntios 1:26-29). Antigamente os tesouros eram guardados em “vasos de barro”. A palavra “excelência” (gr=hyperbole) significa “excesso”, “qualidade”, “índole extraordinária”. É palavra usada somente por Paulo no Novo Testamento (2 Coríntios 1:8; 4:7,17; 12:17; Romanos 7:13; 1 Coríntios 12:31; Gálatas 1:13). Paulo deixa claro que o “poder” pertence a Deus e não a qualquer líder dentro da igreja (1 Coríntios 1:12). Quanto mais fraco é o vaso, mais evidente se torna o poder de cruz. O que quer que aconteça ou se consiga com a pregação do Evangelho feita por homens frágeis, é obra de Deus e não dos homens para que Ele e não eles sejam louvados e glorificados!

Conclusão: Devemos refutar, firmemente, a banalização com que se trata nos dias que correm, nos múltiplos e amplos ajuntamentos de multidões, enganosamente chamados de “movimentos evangélicos”, a gloriosa mensagem do Evangelho, desfigurando totalmente o seu caráter sobrenatural, bem como o do seu ministério, entregue aos verdadeiros servos de Deus, instruídos pela Palavra do Senhor e supridos pela manifestação sábia do Espírito Santo.

autor: Jayro Gonçalves.