O governo da igreja local (13)

Atendei por vós e por todo o rebanho sobre o qual o Espírito Santo vos constituiu bispos, para pastoreardes a Igreja de Deus, a qual Ele comprou com o seu próprio sangue”

 

IV. QUALIFICAÇÕES DOS PRESBÍTEROS

16 – Outra expressão que o apóstolo Paulo usa na carta a Tito para indicar uma necessária qualificação de caráter do Presbítero é “não irascível” (Tito 1:7).

Interessante notar que Paulo usa várias expressões descritivas de caráter que são muito semelhantes, como por exemplo, “não violento”, “cordato”, “inimigo de contendas”. Paulo não as enfileirou como sinônimas, mas distintamente, para estabelecer peculiaridades do caráter que se definem pelas aludidas expressões, consideradas em seus sentidos específicos.

A expressão que ora analisamos tem um aspecto peculiar, embora se possa confundi-la no conceito genérico de “violento” e de “contencioso”. O “irascível” é o que se irrita com facilidade. Em linguagem comum, diz-se que é o que tem “pavio curto”, “esquenta à toa”, não “sabe contar até dez”! O irascível pode até não se manifestar violento ou contencioso, embora, creio, que pelo seu comportamento, acaba chegando à violência e à contenda.

Quando não se busca corrigir esse defeito de caráter, anulando-o na atitude inicial, desenvolve-se o comportamento até a prática natural da violência e da contenda. No mundo agitado que nos envolve, com tantas pressões, problemas e incompreensões, não é difícil sermos levados a atitudes irascíveis, como comportamento natural.

Essa atitude não é cristã, porque omite a compreensão das situações, a tolerância ao erro involuntário, à transigência aos atos desagradáveis a nós, não desejados pelos seus agentes. Eu sei que estamos num terreno difícil. Todos nós temos “pavio curto”, alguns menos outros mais. O presbítero deve se esforçar para controlar as suas reações a fim de não incidir nessa característica negativa, que o incapacita ao exercício do episcopado.

Vemos várias vezes os discípulos do Senhor mostrando esse aspecto negativo do seu caráter, em que pese a sua convivência constante com o Seu Mestre, repreendendo as mães que traziam os seus filhos para serem abençoados pelo Senhor (Marcos 10:13); pedindo fogo do céu para destruir os samaritanos que se recusavam a receber o Senhor; sugerindo a dispensa da multidão porque lhes parecia sobremodo problemática a sua presença ouvindo o Senhor e não tendo o que comer (Marcos 14:15). E que dizer de Pedro, desembainhando a sua espada para cortar a orelha do servo do sumo sacerdote? (Mateus 26:51).

De outra sorte vemos o Senhor, resignadamente, aceitando a cruz que não merecia como exemplo digno de caráter absolutamente correto. Se Ele fosse irascível não seríamos salvos! Como disse no Getsemani, quando preso, poderia rogar ao Pai por mais de doze legiões de anjos para destruir os Seus inimigos, mas não O fez.

O irascível mostra-se antipático, não disposto a ouvir as razões dos outros, impaciente e resmungão. Em tais circunstâncias, não tem condição de cuidar do rebanho do Senhor. Lembremos que essa é uma atitude que muitas vezes adotamos quase sem percebermos e é muito danosa à boa comunhão do povo de Deus. Oremos ao Senhor para que nos livre dela!

No texto de Paulo a Tito estamos examinando as qualificações dos presbíteros que não foram comentadas por ocasião do exame do mesmo assunto no texto de Paulo a Timóteo, portanto não vamos agora nos reportarmos às expressões “não dado ao vinho”, “violento”, “cobiçoso de torpe ganância” e “hospitaleiro”, que se repetem na carta a Tito por nós já analisadas anteriormente na carta a Timóteo.

17 – Na carta a Tito, Paulo traz mais uma qualificação que não alinha entre as que se referem em Timóteo: “amigo do bem”.

No original grego essa expressão significa “amante de homens bons” ou “amante da bondade”. Ambos os sentidos devem ser na expressão grega “philagathos”. É palavra encontrada exclusivamente neste texto em todo o Novo Testamento, sendo uma das 165 palavras que ocorrem exclusivamente nas epístolas pastorais.

Ser amantes de homens bons não significa impossibilidade de relacionamento com homens maus, mas envolve a ideia de “comunhão”. O presbítero deve marcar o seu testemunho público pela manifesta comunhão com aqueles que se caracterizam verdadeiros cristãos (santificados em Cristo). Os mundanos só têm prazer no convívio dos mundanos.

Ser “amante da bondade” significa manifesto comportamento bondoso, amando sem ser amado, dando sem receber, aceitando a afronta e a injustiça com resignação. É o dar a outra face, ou deixar, também, a capa, é o andar a segunda milha a que se referiu o Senhor em Mateus 5:39-41. “Amigo do bem” é alguém que se devota alegre e sacrificalmente à prática do bem.

Em Filipenses 4:8-9 encontramos uma exposição desse comportamento quando Paulo declara: “finalmente, irmãos, tudo o que é verdadeiro, tudo o que é respeitável, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é de boa fama, se alguma virtude há e se algum valor existe, seja isso o que ocupe o vosso pensamento”. “O que também aprendestes e recebestes e ouvistes e vistes em mim, isso praticai; e o Deus de paz será convosco”. Há nesse precioso texto algumas oportunas sugestões do apóstolo que, se adotadas em nosso comportamento, vão, sem dúvida, definir-nos como “amigos do bem”.

As virtudes aí alinhadas: “verdadeiro”, “respeitável”, “justo”, “puro”, “amável”, ”boa fama” fazem parte do “fruto do Espírito”, devendo ser consideradas como algo que surge mediante o cultivo e o desenvolvimento espirituais. Estas virtudes é que devem ocupar nossas mentes, devendo sempre ser levadas em conta por nós em nossa vida espiritual.

Deus nos guarda e nos dá paz como um dom; mas também temos obrigações e precisamos cultivar as virtudes espirituais. Sem essas virtudes o ideal cristão não pode concretizar-se na vida de uma pessoa. Robertson, comentando essas virtudes que caracterizam o “amigo do bem”, diz que elas são pertinentes agora, quando tanta imundícia é exposta perante o mundo, em livros, revistas e filmes, sob o nome de realismo, sendo a fossa das piores iniquidades.

Se Robertson tivesse vivido em nossos dias, teria adicionado a televisão e a internet à lista daquelas coisas que servem de elementos corruptores dos homens, anulando neles a característica de “amigos do bem”. Para sermos dignos dessa honrosa nomenclatura, característica de presbíteros verdadeiros, “amigos do bem”, é necessário fazer com que estas virtudes dignas de louvor sejam a razão de nossa meditação e consideração, incluídas em nossa conduta diária.

Devem ser substituídos os pensamentos vãos da sensualidade, o lucro e a fama mundanos, buscando cuidadosamente aquelas coisas que contribuem para o bem de nossas almas imortais, que transcendem a qualquer bem terreno que os homens busquem mediante suas mentalidades carnais.

Continua na próxima crônica.

autor: Jayro Gonçalves.