O princípio que regula o comportamento cristão

1 Coríntios 6:12-20

Neste mês de fevereiro volta-se o povo em geral para o envolvimento com a deplorável “festa da carne” (carnaval), com procedimento sem freios, calamitosamente depravado e imoral. O povo de Deus não pode, de forma alguma, deixar-se levar por essa torrente pecaminosa, comprometendo, negativamente, o seu testemunho cristão.

Encontramos no texto acima, oportuna e clara orientação sobre o comportamento cristão, que se aplica bem a esse triste contexto da sociedade. Trata-se da “mordomia do corpo”. Muitas vezes buscamos regras específicas sobre o que posso “ser”, o que posso “fazer” ou onde posso “estar”. Surgem logo os “legalistas” a estabelecer uma fileira de regras de comportamento, que muitas vezes são meros pontos de vistas pessoais, longe do respaldo bíblico.

O trecho citado nos oferece o princípio que define tudo sob a égide da “liberdade com responsabilidade”. Embora, no caso, a conotação é principalmente quando à moralidade no uso do corpo, creio que o princípio informado pelo apóstolo Paulo deve ser aplicado em todas as áreas de nossa vida, ou seja, do nosso “ser”, do nosso “fazer” e do nosso “estar”. Depois de ter exortado a respeito de “pecados legais”, Paulo trata, agora, do relaxamento sexual, cuja abordagem já fizera no capítulo 5 (o caso de “incesto”). Nos versículos 12 a 14 ele apresenta o principio regulador do uso do corpo, e nos versículos 15 a 20 a aplicação prática do princípio.

1. Princípio regulador do uso do corpo (vs. 12-14) – O versículo 12 contém toda a filosofia da atitude cristã em relação às “coisas terrenas”. Disse “terrena” e não “mundana”, pois a referência aí é às coisas da vida natural e não às coisas ligadas à civilização humana desenvolvida pelo homem à margem de Deus (sistema pecaminoso do mundo). O grande e importante princípio de comportamento cristão é enunciado: “todas as coisas me são lícitas, mas nem todas as coisas convêm”. Encontramos aí a binômia licitude x conveniência.

Como ser humano posso fazer tudo o que está dentro da permissibilidade legal (o que é lícito). A lei estabelece o círculo de comportamento do ser humano, pois ela representa o que é conveniente à própria sociedade. Entretanto, ao cristão incumbe comportar-se dentro do círculo da conveniência do Senhor (o que é espiritual, não religioso, pois a “religião” é mera solução humana para o problema espiritual do homem). Como Paulo afirma, “não me deixarei dominar por nenhuma delas”, ou seja, (as “coisas lícitas”) vale dizer dentro do que a lei permite. Muitas vezes as “coisas terrenas” (permissibilidade legal) confrontam com as “coisas espirituais” (conveniência do Senhor). O que deve comandar a atitude no uso do corpo são as coisas espirituais, pois são elas, e somente elas, da “conveniência do Senhor”.

Esse notável princípio bíblico é o único que deve nortear o comportamento do cristão, pois encerra a orientação do Senhor que define para o cristão como agir em todas as áreas de sua vida: “liberdade com responsabilidade”. Há sempre o risco de o cristão colocar-se em escravidão das coisas que pratica, quando invoca a sua “liberdade” para agir. Por isso a “responsabilidade” perante o Senhor dar-lhe-á, no exercício da liberdade, a bitola correta do comportamento plausível.

Aparentemente alguns coríntios estavam tentando usar sua liberdade cristã para justificar seus pecados. Paulo insiste aqui que a liberdade cristã é limitada por duas considerações: Esta ação é útil? Esta ação irá me escravizar? No versículo 13, Paulo se reporta a uma expressão que parece ter sido utilizada como argumento pelos coríntios, para justificar a sua licenciosidade: “os alimentos são para o estômago e estômago para os alimentos”. Comer é uma função natural e, aparentemente, os coríntios queriam dar a entender que uma função natural é muito semelhante à outra, isto é, a “fornicação” seria tão natural como comer! Paulo contesta isso frontalmente. O “estômago” e os “alimentos” são transitórios. No devido tempo Deus acabará com ambos. A expressão no original grego “destruirá” tem o sentido de “serão reduzidos a nada”. O nosso corpo não está destinado a ser destruído, haverá de ser transformado e glorificado (Filipenses 3:21).

Não há como se pretender relacionar o corpo e os desejos sexuais da mesma maneira como se relacionam o estômago e os alimentos. Ao contrário, a conexão que deve existir é a do “corpo” com o “Senhor”. Deus não destinou o corpo para a fornicação (impureza), como destinou o estômago para os alimentos. O corpo é para o Senhor, é o instrumento pelo qual o crente serve ao Senhor e o meio pelo qual ele glorifica a Deus. Por outro lado, o Senhor é para o corpo, pois como o alimento é necessário para o estômago, sem o que este não há de funcionar, assim o Senhor é necessário para o corpo funcionar. É somente na medida em que Deus nos capacita que podemos viver o tipo de vida corporal para o qual fomos destinados.

No versículo 14, Paulo se utiliza do auspicioso fato da ”ressurreição do corpo” para fornecer precioso ensino. A ressurreição nos impede avaliar levianamente o corpo. A ressurreição é uma ação do Pai, embora leiamos que Jesus Cristo ressuscitou alguns. O que o texto no versículo 15 está mostrando é que a “ressurreição” (a do Senhor e a nossa) indica a importância do corpo. Se ele será ressuscitado, não se pode menospreza-lo, como algo que deva ser destruído. Paulo deixa claro que a ressurreição dar-se-á por ação divina: “pelo Seu poder”. Note: os alimentos são para o estômago e o estômago para os alimentos e o destino de ambos é a “destruição”. O corpo é para o Senhor e o Senhor para o corpo, quando se tem por certa a “ressurreição” de ambos.

2. Aplicação prática do princípio (vs. 15-20) – Usa mais uma vez Paulo, no versículo 15, uma expressão enfática, muito usada por ele, para apelar para um assunto que devia ser do conhecimento geral: “não sabeis...”. A expressão “membro” (mete=gr) é uma palavra usada, normalmente, para as partes do corpo (conforme seu uso no sentido similar em Romanos 6:13 e seguintes). Essa mesma ideia é desenvolvida amplamente para indicar a igreja como corpo de Cristo (12:12 e seguintes, e Efésios 5:23 e seguintes). O ensino que Paulo transmite no verso é o de que os crentes estão unidos a Cristo de modo muito estreito. Estão “em Cristo”, são membros do Seu corpo, isso torna odiosa a prática sexual viciosa.

A expressão “tomaria” que Paulo usa (airo=gr), tem o sentido de “levar embora”. Paulo está querendo mostrar que a prática sexual pecaminosa é coisa horrível, pois o corpo (membro do corpo de Cristo) que o pratica está sendo levado embora, retirado do seu uso apropriado. Está sendo usurpado do Seu idôneo Senhor. É “tornado” membro da meretriz! É claro que o pecador não é “membro da meretriz” no mesmo sentido em que é “membro de Cristo”, mas para Paulo a união sexual é tão intima que, virtualmente, faz de dois corpos um (versículo 16). Assim há uma horrível profanação daquilo que deve ser usado somente para Cristo.

Com a contundente afirmação “absolutamente não” (final do versículo 15), Paulo refuta vigorosamente tal hipótese. No versículo 16, faz Paulo remissão ao principio bíblico fundamental do casamento “serão os dois uma só carne”. Os coríntios não se davam conta das ilações graves da sua maneira de ver a frouxidão sexual. Se no versículo 16 Paulo lembrou o vínculo físico de uma união com uma meretriz, no 17 ele emprega a mesma palavra “une” (kollomenos=gr), quanto ao laço espiritual que liga o verdadeiro crente ao Senhor. Os que participam do ato sexual tornam-se “um corpo”. Os que se unem pelo laço espiritual tornam-se “um espírito com ele”. O crente é “um” com o Senhor. Ele tem a “mente de Cristo”. Ele reagirá como o Senhor reagiria.

No versículo 18, Paulo indica o único caminho viável para o cristão diante da situação pecaminosa: “fugi da impureza”. O imperativo presente indica uma ação habitual. É a mesma coisa que dizer “fazei vosso hábito fugir”. Deve ser a prática constante do crente. Não se pode tratar o assunto de modo suave! O cristão não deve contemporizar com isso, mas deve fugir até o pensamento disso. A reação de José às propostas da mulher de Potifar (Gênesis 39:12) ilustra literalmente esse princípio. Veja 2 Timóteo 2:22; 1 Tessalonicenses 4:3. A imoralidade destrói o templo de Deus (3:17). Paulo continua desenvolvendo a ideia de que este pecado fere as próprias raízes da constituição essencial do homem. Outros pecados são fora do corpo e não o atingem, mas este o atinge cumprindo ter-se cuidado especial para evita-lo, pois, somente este significa que o homem toma o corpo que é “membro de Cristo” e o coloca numa união que arruína o seu próprio corpo.

Outros pecados, como por exemplos a bebedice e a glutonaria, envolvem o uso de algo que vem de fora do corpo. O apetite sexual surge de dentro. Aqueles se prestam para outros propósitos, por exemplo, a sociabilidade. Este não tem outro propósito que o da gratificação da lascívia. Aqueles são pecaminosos quando usados em excesso. Este o é em si mesmo. O termo que Paulo emprega para “pecado” (humartema=gr) em lugar de “hamarta”, que é mais usual, põe em destaque mais o “resultado” do que o próprio ato.

No versículo 19, novamente Paulo usa a pergunta argumentativa, pela sexta vez no capítulo: “acaso não sabeis?” que demonstra que ele está falando de algo que eles deveriam saber. Em 3:17 referiu-se à igreja como um “santuário de Deus”. Aqui se refere ao “corpo”, à pessoa. Cada cristão é um santuário em que Deus habita. A palavra é “naos” (gr), referindo-se ao recinto sagrado. Tal assertiva paulina evidencia a dignidade excepcional do corpo. Aonde vamos somos portadores do Espírito Santo, templo em que apraz a Deus habitar! Isso deve eliminar toda a forma de conduta que não seja apropriada para o templo de Deus. Uma vez que o crente é templo de Deus, não pode pensar de si como independente, como pertencente a si próprio. Veja: “não de vós mesmos”. Um contraste violento com o templo de Afrodite em Corinto, onde as sacerdotisas eram prostitutas.

No versículo 20, Paulo indica a razão básica da afirmação anterior: “fostes comprados por preço” (comprados e pagos). A forma verbal original indica uma ação única e decisiva no passado. Não menciona a ocasião nem o preço, mas tal não é necessário! A figura é da redenção (ex: do escravo que economizou o necessário para pagar o preço da sua liberdade, jogando o preço ao seu deus, no tesouro do templo, e, então, seria adquirido pelo deus; tecnicamente era agora escravo desse deus). Paulo aplica esta figura aos procedimentos de Cristo para com os homens. O preço pago para comprar-nos da escravidão do pecado (João 8:34) não era uma ficção piedosa, mas foi o altíssimo preço da morte do Senhor.

O resultado é introduzir-nos numa esfera em que, no que concerne aos homens, somos livres. Mas somos escravos de Deus, a Ele pertencemos, Ele nos adquiriu para sermos dEle. Afinal, Paulo indica a obrigação consequente dessa bênção: “Glorificai a Deus no vosso corpo”. Antecede essa ordenação sublime com a expressão “agora”. É como se dissesse: “faça isso tão depressa que fique pronto agora mesmo!”. É urgente! Deus exige obediência pronta.

Conclusão: Esta passagem proporciona-nos a doutrina cristã a respeito do corpo e prepara-nos para a crença na sua ressurreição que é apresentada amplamente no capítulo 15. Também esboça o princípio da liberdade cristã, assunto que volta a ser tratado no capítulo 8. O fato básico que governa o exercício da liberdade cristã é que o crente foi remido pelo precioso sangue de Cristo, e assim Lhe pertence. Sua dedicação a Cristo é mais profunda do que anteriormente ao “mundo” ao qual pertenceu antes de ser resgatado.

autor: Jayro Gonçalves.