O senhorio de Cristo

“Vós me chamais o Mestre e o Senhor, e dizeis bem; porque EU O SOU” João 13:13

Numa série de três artigos vamos meditar sobre o fundamental tema do cristianismo autêntico ─ O Senhorio de Cristo. É um tema sobremodo oportuno no contexto aflitivo e conturbado do “cristianismo” inautêntico dos nossos dias, infelizmente pouco levado a sério. É exatamente a indiferença adotada para com o assunto e a conseqüente ignorância sobre a matéria, que anula o usufruto das ricas bênçãos do verdadeiro cristianismo. Abordaremos, sucessivamente, três aspectos do assunto: 1) O Conceito Bíblico; 2) Os Fundamentos Bíblicos; 3) A Aplicação Prática.

Conceito bíblico do senhorio de Cristo 

Porque nenhum de nós vive para si mesmo, nem morre para si. Porque, se vivemos, para o Senhor vivemos; se morremos, para o Senhor morremos. Quer, pois, vivamos ou morramos, somos do Senhor. Foi precisamente para esse fim que Cristo morreu e ressuscitou. Para ser Senhor, tanto de mortos como de vivos” (Romanos 14:7-9). Este texto formula o correto conceito bíblico do Senhorio de Cristo. Aqui Paulo nos instrui, com preciosos detalhes conceituais, sobre esse fundamental assunto da experiência cristã:

  1. O Senhorio de Cristo é incompatível com o egocentrismo (v.7) ─ A tendência do comportamento humano é voltada para a plena satisfação do próprio “eu”, desde que nasce até que morre. Em tudo o que se envolve, nas múltiplas atuações da sua existência física, o ser humano só vê a si próprio. Na busca desesperada da sua exclusiva satisfação pessoal, age em atitude de total auto-suficiência como se ele fosse o centro, a razão e o alvo de tudo. Aliena, por isso, completamente o Senhor de suas cogitações e ações. O verdadeiro cristão não pode assumir essa errônea atitude, o Senhorio de Cristo é incompatível com tal porte pessoal. Esse egocentrismo deve ser totalmente afastado do comportamento do cristão, para que possa ele usufruir os benefícios da vivência do Senhorio de Cristo. Cristãos que somos, devemos ser cristocêntricos. Saulo era egocêntrico, antes da conversão ao cristianismo. Convertido, como Paulo, entendeu o crasso erro que cometera e assumiu o cristocentrismo e, por isso, declarou: “já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim” (Gálatas 2:20); “Para mim o viver é Cristo” (Filipenses 1:21).
  2. O Senhorio de Cristo deve ser o alvo exclusivo da realidade existencial do homem (v.8a) ─ Na realidade existencial do homem impõe-se que ele reconheça, em caráter de exclusividade, a prioridade absoluta do Senhor, como centro, razão e alvo do seu próprio ser humano. Como diz Paulo, “se vivemos, para o Senhor vivemos; se morremos, para o Senhor morremos”. Ele é exclusivo e prioritário. Isso tem a ver, essencialmente, com a própria razão da nossa existência. Fomos criados por Deus, à Sua imagem e semelhança, para a realização do Seu exclusivo e soberano propósito. Como diz Paulo: “Tudo foi criado por Ele e para Ele" (Colossenses 1:16). Foi essa a atitude assumida por Davi, no seu viver, e por isso foi o homem segundo o coração de Deus, ele declara: “Digo ao meu Senhor: Tu és o meu Senhor; outro bem não possuo, senão somente a Ti ... O Senhor é a porção da minha herança e do meu cálice; tu és o arrimo da minha sorte ... Bendigo o Senhor, que me aconselha; pois até durante a noite o meu coração me ensina. O Senhor, tenho-o sempre à minha presença; estando ele à minha direita não serei abalado” (Salmo 16:2,5,7-8). É, ainda, Paulo quem afirma: “No qual (Cristo) fomos também feitos herança, predestinados segundo o propósito daquele que faz todas as cousas conforme o conselho da sua vontade, a fim de sermos para louvor da sua glória” (Efésios 1:11-12).
  3. O Senhorio de Cristo decorre do fato de que não somos de nós mesmos, mas do Senhor (v.8b) ─ A expressão “somos do Senhor” é cristalina ao afirmar o Senhorio de Cristo em termos categóricos e tem o sentido de “propriedade exclusiva”. Considero esse pensamento notável! Ele me transmite uma sensação incomparável de segurança! Como é bom saber que somos do Senhor! Jesus Cristo afirmou: “Eu lhes dou a vida eterna; jamais perecerão, eternamente, e ninguém as arrebatará das minhas mãos” (João 10:28). Sabemos que todo proprietário procura guardar bem, proteger com diligência e zelar com cuidado o que lhe pertence. Ninguém o faz melhor do que o Senhor a Quem pertencemos. O Senhor Jesus pagou o preço para nos ter como Seus. Em 1 Coríntios 6:19:20, Paulo afirma: “Acaso não sabeis que o vosso corpo é o santuário do Espírito Santo, que está em vós, o qual tendes a parte de Deus, e que não sois de vós mesmos? Porque fostes comprados por preço”. Pedro, em 1 Pedro 1:18-19, assevera: “sabendo que não foi mediante coisas corruptíveis, como prata ou ouro, que fostes resgatados do vosso fútil procedimento que vossos pais vos legaram, mas pelo precioso sangue, como de cordeiro sem defeito e sem mácula, o sangue de Cristo”. É inquestionável o direito do Senhor Jesus de ser o Senhor dos redimidos, porque pagou o preço da sua Redenção, tornando-os Seus. Por isso, somos do Senhor!
  4. O Senhorio de Cristo lhe é assegurado pela eficácia da Obra da Redenção (v.9) ─ A Obra da Redenção foi o que de mais importante já se realizou na Terra. Resultou na salvação eterna do pecador perdido, que nela crê, aceitando, incondicionalmente, contrito e penitente, o Senhor Jesus, como o seu Salvador pessoal. E a maioria dos que dão esse passo de fé satisfaz-se com o fato de serem salvos, não levando em conta a importância de serem “servos”. Alegram-se com a salvação, que lhes garante a eternidade, e festejam o Salvador, mas não percebem que só isso não esgota a finalidade da Obra Redentora, a qual, acima de tudo, tem por finalidade suprema fazer-nos “servos”, espiritualmente capacitados para “servirmos” a Deus, nos exercícios espirituais! O uso que, no texto, Paulo faz, do advérbio “precisamente”, acentua essa preciosa verdade: “Foi precisamente para esse fim que Cristo morreu e ressurgiu: para ser Senhor” (não diz: “Salvador”). A finalidade final da obra da Redenção (morte e ressurreição de Cristo) não é, simplesmente, a “salvação”, mas o Senhorio de Cristo, estabelecendo entre a nova criatura e Deus a abençoada e gloriosa relação de “Senhor” e “servo”. Deus não quer que sejamos apenas “salvos”, mas que sejamos “servos”! Claro está que para sermos “servos” temos que antes ser “salvos”. Mas é no “serviço” fiel que prestamos a Deus, como salvos pela Sua Graça, que realizamos o sublime alvo da Obra Redentora. E isso só pode acontecer quando aceitamos, em total e voluntária submissão, o Senhorio de Cristo.

Os fundamentos do senhorio de Cristo 

O Senhorio de Cristo está amplamente fundamentado nas Escrituras com cristalina clareza e fácil compreensão no processo notável da regeneração do pecador. O reconhecimento do Senhorio de Cristo pelo regenerado é prova irrefutável da sua efetiva regeneração. Já contemplamos, nos aspectos conceituais do Senhorio de Cristo, como o plano eterno de Deus, através da notável Obra da Redenção, visava, como resultado final, a capacitação espiritual do regenerado para servi-Lo. Vejamos, agora, três fundamentos básicos do Senhorio de Cristo, que decorrem do próprio processo da regeneração:
■RAZÃO SUPERIOR OU DETERMINANTE - Em Atos 2 temos o comovente relato histórico do início da gloriosa Igreja, corpo de Cristo, a qual temos o honroso privilégio de pertencer. Vemos aí o início da nossa história eclesiástica.

O notável evento ocorreu cumprindo as predições e orientações claras do Senhor Jesus aos Seus discípulos, em Lucas 24:44-49 e Atos 1:6-11. O Senhor Jesus expôs-lhes, com clareza, o soberano querer do Pai sobre o início e a expansão da Igreja através do fiel testemunho que, irrecusavelmente, deveriam dar acerca das verdades evangélicas, atuando na efetiva operação do Espírito, no tempo determinado por Deus.

Em Atos 2 vemos o cumprimento desse plano. No poder atuante do Espírito, o apóstolo Pedro foi o porta-voz fiel de Deus, na exposição poderosa da mensagem do Evangelho, ao auditório representativo de todas as partes do mundo, reunidos em Jerusalém, no dia de Pentecostes. O resultado final desse histórico e inusitado evento do cristianismo, que marca o alvorecer de sua existência em toda a terra, foi a regeneração de milhares de pessoas para a glória do Senhor!

A mensagem pregada por Pedro é de conteúdo incomparável! Que mensagem! Como aprendemos nas Escrituras, a regeneração é operação exclusivamente espiritual, cujos agentes efetivos são a Palavra pregada e o Espírito Santo atuante. E foi no final da pregação dessa gloriosa mensagem evangelística que o Senhorio de Cristo é categoricamente afirmado, fundamentando-se no extraordinário processo da regeneração então evidenciado.

Pedro fecha a pregação com a seguinte expressão: “Esteja absolutamente certa, pois, toda a casa de Israel de que este Jesus, que vós crucificaste, Deus o fez Senhor e Cristo” (Atos 2:36). Note que aí Pedro ultima a poderosa mensagem regeneradora do Evangelho com a declaração peremptória do querer irrecusável de Deus sobre o Senhorio de Cristo (“Deus o fez Senhor”). Jesus Cristo deve ser Senhor porque assim Deus o determina. Essa é a razão “superior ou determinante” do Senhorio de Cristo.

O Apóstolo Paulo nos transmite esse precioso ensino em Filipenses 2:9-11 ... “Deus O exaltou sobremaneira e lhe deu o nome que está acima de todo o nome, para ao nome de Jesus se dobre todo o joelho, no céus, na terra e debaixo da terra, e toda a língua confesse que Jesus Cristo é SENHOR, para glória de Deus Pai”.
■RAZÃO OBJETIVA - O Senhorio de Cristo é, também, resultante da própria atuação Redentora de Cristo. Por ser Ele o Salvador deve ser o Senhor. O Senhorio de Cristo resulta “do que Ele fez por nós”, aceitando o Calvário, lugar da expiação do nosso pecado e da satisfação da Justiça de Deus, perdoando-nos, justificando-nos e liberando-nos da condenação eterna, “e para nós” deixando o túmulo vazio que nos garante a segurança da ressurreição e da transformação do nosso corpo de corruptível em incorruptível, imortal e glorioso, na esperada volta do Senhor, para arrebatar a Sua igreja – 1 Tessalonicenses 4:13-18.

O Senhorio de Cristo revela-se evidente e inconfundível através do Seu rico ministério e da Sua eficaz, definitiva e eterna Obra de Salvação do pecador perdido, efetuada em perfeita consonância com os planos de Deus Pai. Assim, constata-se, inconfundivelmente, que Ele deve ser Senhor porque é Salvador.

O que podemos contemplar de sobejo, objetivamente, na Sua preciosa atuação Salvadora, leva-nos, irreversivelmente, a declarar e reconhecer o Seu Senhorio. Por isso chamamos a esse fato notável da manifestação da Graça de Deus de “razão objetiva” do Senhorio de Cristo. É o que vemos solenemente declarado pelo repórter angelical, anunciando aos pastores, nas plagas de Belém, o nascimento do Senhor Jesus: “hoje vos nasceu, na cidade de Davi, o Salvador, que é Cristo, O Senhor” (Lucas 2:11). Já aí, no Seu nascimento, Deus proclama, solenemente, o Senhorio de Cristo, pelo fato de que Ele é o Salvador.

No Evangelho de João, escrito para demonstrar a Divindade de Cristo e desfazer o erro que os gnósticos procuravam introduzir no seio da Igreja, negando-lhe a divindade, vemos o Senhor Jesus afirmando o Seu Senhorio Divino, atribuindo-Se o sublime nome YHWH (Jeová) que significa “O Deus Eterno” que redime o homem perdido. Esse nome divino, traduzido nas Bíblias pela palavra “Senhor”, que aparece cerca de 6.823 vezes no Velho Testamento, enfatiza a auto-existência ativa e dinâmica de Deus, referindo-se ao Redentor de Israel associado à Sua Santidade (Levítico 11:44-45), ao Seu ódio contra o pecado (Gênesis 6:3-7) e à Sua bondosa provisão de Redenção (Isaías 53:1,5,6 e 10). Em sucessivas e notáveis declarações do Senhor Jesus Ele utiliza a expressão “EU SOU”, que corresponde ao nome de Deus Jeová (YHWH), para Se declarar o divino Senhor, isto é o Deus eterno que redime o pecado, como vemos em João 6:35 (Pão da Vida); 8:12 (Luz do mundo); 10:9 (a Porta); 10:11 (o Bom Pastor); 11:25 (a Ressurreição e a Vida); 14:6 (o Caminho, a Verdade e a Vida); 15:1 (a Videira verdadeira) e João 8:58 (antes que Abraão existisse, EU SOU).

Em todas essas declarações o Senhor Jesus Se afirma o Divino Senhor (EU SOU) e descreve, sob diferentes aspectos, a Obra da Redenção que efetivou! Ilustra bem esse fato a experiência de Tomé, o que duvidou da declaração dos companheiros, que lhe disseram “Vimos o Senhor”. Ao ver, depois, o Senhor Jesus ressuscitado, de cuja ressurreição ele duvidara, e as Suas mãos traspassadas e o Seu lado ferido, marcas da nossa Redenção, não se conteve e declarou solenemente: “Senhor meu e Deus meu”. Temos ai, bem exemplificada, a “razão objetiva” do Senhorio de Cristo. A pronta resposta do Senhor a Tomé enfatizou a bem-aventurança dos que, mesmo não vendo pelos olhos físicos as marcas da Redenção, podem objetivamente contemplá-la pelos olhos da sua Fé, ao afirmar: “Bem-aventurados os que não viram e creram”. Dirão, então, estes, com toda a força da sua alma: “Senhor meu e Deus meu”.

Paulo ensina sobre o reconhecimento necessário do Senhorio de Cristo, pela “razão objetiva”, ao afirmar: “ele, subsistindo em forma de Deus, não julgou como usurpação o ser igual a Deus; antes, a Si mesmo, se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se em semelhança de homens; e, reconhecido em figura humana, a si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até a morte de cruz. Pelo que Deus o exaltou sobremaneira e lhe deu um nome que está acima de todo o nome” (Filipenses 2:6-9).
■RAZÃO SUBJETIVA – A “razão subjetiva” do Senhorio de Cristo define-se pelo nosso inevitável reconhecimento do que o Senhor “está fazendo em nós”. Uma vez redimidos pela Graça do Senhor e feitos novas criaturas por já estarmos em Cristo, devemos passar a experimentar uma real transformação, de nível espiritual, com notórios reflexos positivos na nossa manifestação de vida comportamental. Por isso Paulo diz que, como novas criaturas, “as coisas antigas já passaram; eis que se fizeram novas” (2 Coríntios 5:17).

Embora continuemos a possuir a velha natureza, habitados e operados pelo Espírito Santo, devemos manifestar um comportamento totalmente diferente, pois passamos a ter um “viver cristão” que deve evidenciar o caráter do Senhor Jesus. Maria Madalena, da qual o Senhor expulsara sete demônios, passou a chamá-Lo de “Senhor” em vez de chamá-Lo pelo nome “Jesus”, que era o nome que recebeu para identificar-Se como pessoa humana. Depois de encontrar-se com Jesus Cristo ressuscitado, citou o fato aos discípulos dizendo: “Vi o Senhor”. O que Jesus Cristo nela operara, mudando a sua triste condição de pecadora, a induziu a se referir a Ele, sempre, como “Senhor”.

Saulo de Tarso, filósofo e teólogo, recusava-se, convictamente, a aceitar que Cristo fosse o Ungido de Deus para a salvação dos pecadores e o fato da ressurreição de Jesus Cristo; era ferrenho perseguidor dos cristãos. Mas quando foi surpreendido com a presença de Jesus Cristo ressuscitado, prostrado na terra, vendo-O pessoalmente, experimentou, de logo, uma radical transformação nas suas equivocadas convicções, e, por isso, a Ele dirigiu-se, prontamente, perguntando: “Quem és Senhor?” (Atos 9:5); e, face ao que d’Ele ouviu, perguntou mais: “Que queres que faça Senhor?” (Atos 22:10). O que Cristo logo operou no íntimo de Saulo, transformando-o completamente, induziu-o a referir-se sempre a Ele como “Senhor”, tendo-O como tal em todo o seu extraordinário ministério. Por isso, afirmou mais tarde: “Para mim o viver é Cristo” (Filipenses 1:21) e “Não vivo mais eu, mas Cristo vive em mim” (Gálatas 2:20).

Uma das razões fundamentais do Senhorio de Cristo é, pois, o inevitável reconhecimento dos redimidos pelo que o Senhor está fazendo em nós. Por isso denomina-se “razão subjetiva”.

À luz dos fundamentos do Senhorio de Cristo acima expostos, entendemos bem o significado do que o Senhor Jesus disse aos Seus discípulos em João 13:13 ... “Vós me chamais o Mestre e o Senhor e dizeis bem; porque EU O SOU!”


A Aplicação prática do senhorio de Cristo 

“Todas as coisas me são lícitas, mas nem todas convêm. Todas as coisas me são lícitas, mas eu não me deixarei dominar por nenhuma delas ... o corpo não é para a impureza, mas, para o Senhor, e o Senhor para o corpo” (1 Coríntios 6:12-13b) ... “apresenteis os vossos corpos ... para que experimenteis qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus” (Romanos12:1-2).

Como fazer a aplicação prática do Senhorio de Cristo na experiência da vida cristã? Essa cruciante questão se coloca como um desafio irrecusável perante nós. Podemos conceituar “vida”, do ponto de vista temporal, como o nosso “ser”, o nosso “fazer” e o nosso “estar”. É um conceito abrangente da nossa integral postura comportamental. O Senhorio de Cristo tem tudo a ver com esses três aspectos do nosso “viver”.

Devo “ser” como o Senhor seria nas mesmas circunstâncias da manifestação do meu “eu”. Devo “fazer” o que e da maneira como o Senhor faria no meu “agir”. Devo “estar” onde e como o Senhor estaria no meu “andar”. Isso não é fácil, mas é possível e deve ser buscado tenazmente, para que a experiência da vontade de Deus seja manifestada em nosso viver cristão.

Vejamos, com base nos textos acima mencionados como esse alvo pode ser alcançado, pela aplicação correta do Senhorio de Cristo em nosso “ser”, em nosso “fazer” e em nosso “estar”.


O princípio bíblico enunciado


Paulo enunciou o princípio bíblico que rege o comportamento cristão (o meu “ser”, o meu “fazer” e o meu “estar”), sob o Senhorio de Cristo, quando afirma que “todas as coisas me são lícitas, mas nem todas convêm” (1 Coríntios 6:12).

Encontramos aí o dilema “licitude versus conveniência”. “Lícito” é aquilo que não é proibido por lei e aquilo que é conforme a lei. “Lei” é a norma coercitiva, que, nos termos da “conveniência” e do “consenso” social, estabelece a “permissibilidade legal do comportamento”. Na primeira parte do princípio - “todas as coisas me são lícitas” - Paulo estabelece a amplitude do campo da permissibilidade legal no comportamento humano.

Esse campo é muito amplo e varia de cultura para cultura, assim como, sempre se amplia, porque o ser humano busca, cada vez mais, a liberdade de comportar-se sem restrições, no sentido na satisfação dos desejos da sua carne (pecaminosa), sem as restrições, censura e penalidades impostas pela lei.

Esse tipo de conduta aliena o Senhorio de Cristo, porque visa apenas a realização da satisfação humana, através do seu comportamento. Está voltada somente para a “conveniência social” e não a conveniência do Senhor. Na análise do comportamento humano costuma-se estabelecer três áreas de atuação possíveis:
■A área do que é LEGAL, isto é, de acordo com a lei. Temos aí o campo da permissibilidade legal, que é muito largo, como já vimos, porque busca satisfazer a conveniência social;
■A área do que é MORAL, isto é, de acordo com a formação moral da pessoa. Temos aí um campo mais restrito, delimitado pela conveniência da postura moral no comportamento pessoal. Nem tudo que é “lícito” (de acordo com a lei) é “moral” (de acordo com a postura moral da pessoa). Por isso, há no contexto social os que, no seu comportamento, se limitam aos princípios que formam a sua postura moral, abrindo mão da liberdade concedida pela lei para “ser”, “fazer” ou “estar” além desse limite;
■A área do que é ESPIRITUAL, isto é, de acordo com a soberana vontade de Deus. Os filósofos denominam essa área de “religiosa”. Preferimos a expressão “espiritual”, porque a vontade soberana de Deus não é a “religiosidade”, mas a “espiritualidade”, no comportamento do cristão. Temos aí um campo ainda mais restrito daquele que se refere à “moral”, por isso que o comportamento espiritual, muitas vezes, não se compatibiliza com as concessões da moralidade humana.

Esses conceitos filosóficos servem bem para se entender a segunda parte do princípio enunciado por Paulo para a efetiva realização do Senhorio de Cristo no “ser”, “fazer” e “estar” do cristão, a saber: “mas nem todas convêm”.

O que ele está a dizer aí é que, embora possamos, sem censura, restrições ou penalidades aplicáveis, nos comportar nos limites da Lei (já vimos que o campo da “licitude” é sobremodo largo), atendendo exclusivamente às conveniências do “eu” (por isso ele afirma: “tudo me é lícito”), como cristãos, sob o Senhorio de Cristo, devemos apenas nos comportar conforme a conveniência do Senhor.

O que deve, pois, nortear o comportamento cristão não é a “conveniência social”, mas a conveniência do Senhor. A enunciação desse lapidar princípio do Senhorio de Cristo, no comportamento do cristão, é acompanhado de notáveis assertivas:
■ “Não me deixarei dominar por nenhuma delas” (1Co.6:12b) – Impõe-se a recusa peremptória do cristão ao domínio das coisas lícitas, quando elas confrontam com o correto comportamento conveniente ao Senhor (sob o Senhorio de Cristo);
■ “Os alimentos são para o estômago, e o estômago para os alimentos; mas Deus destruirá tanto estes como aquele” (1Co.6:13a) - Esse era um provérbio popular que alguns empregavam para justificar a livre satisfação dos desejo físicos. Mas os desejos físicos são precários e tudo o que os envolve será destruído, pois é apenas temporal e não eterno;
■ “O corpo não é para a impureza, mas, para o Senhor, e o Senhor, para o corpo” (1Co.6:13b). É uma razão séria no conceito do Senhorio de Cristo, já exposta anteriormente. Isso significa que, no nosso comportamento cristão, devemos: ■evitar o pecado;
■evitar o que é duvidoso; e
■evitar o que escandaliza o irmão.

A aplicação do princípio 

Em Romanos 12:1-2, Paulo faz forte apelo (“rogo”) para que aplicassem o princípio do Senhorio de Cristo, ensinando-os como fazê-lo corretamente. Vemos aí que ele identifica o comportamento dos cristãos sob o Senhorio de Cristo como a experiência da boa, agradável e perfeita vontade de Deus. Ele referencia o seu “apelo” às “misericórdias de Deus”. Nada melhor do que as “misericórdias de Deus” para justificarem o apelo de Paulo à aplicação do princípio do Senhorio de Cristo, pois elas são a causa de não sermos consumidos e se renovam a cada manhã, provando a fidelidade de Deus (Lm. 3:22-23).

A aplicação do princípio do Senhorio de Cristo aí exposto implica em dois verbos mencionados por Paulo (lembremos que, gramaticamente, o verbo descreve uma “ação”):
■“APRESENTEIS” – A agência no verbo aí mencionado compete a nós, cristãos, e o objeto dessa agência é o nosso corpo. Não há Senhorio de Cristo sem a apresentação do nosso corpo ao Senhor. Isso é fundamental. Paulo oferece detalhes que devemos atender nessa gloriosa agência de apresentação do nosso corpo ao Senhor: ■"Por sacrifício” (Rm. 12:1) – Esse é um aspecto característico no comportamento do discípulo verdadeiro. Podemos contemplá-lo na declaração de Jesus Cristo, em Lucas 9:23, onde o Senhor anota a necessidade de “renúncia” do discípulo, da “rejeição” ao mundo e do mundo do discípulo, e a “rendição” ao Senhor do discípulo. Por isso, o sacrifício deve ser “vivo”, “santo” e “agradável”;“
■"Não vos conformeis com este século” (Rm.12:2) - É algo mais que necessário que devemos acrescentar ao exercício de nossa agência, ao disponibilizarmos o nosso corpo para o Senhor. A conformação com o mundo é incompatível com o Senhorio de Cristo!·
■"Transformai-vos pela renovação da vossa mente” (Rm. 12:2) - É algo essencial que implica em nossa agência de apresentação do nosso corpo ao Senhor. Essa abençoada transformação da mente é operada maravilhosamente, na medida em que deixamos o Espírito de Deus atuar em nós e através de nós (Efésios 5:18). A “apresentação do corpo” nos termos expostos por Paulo implica em: (a) “submissão” ao Senhor e (b) “disposição” em realizar a Sua Vontade.

■“EXPERIMENTEIS”’ – A agência desse verbo cabe ao Senhor. Uma vez que apresentemos o nosso corpo ao Senhor, nos termos já vistos, Ele nos dará inexoravelmente a experiência da Sua boa, agradável e perfeita vontade. Essa “experiência” da vontade do Senhor implica em duas coisas: (a) teremos a Sua “direção” em nosso viver cristão; e (b) seremos “utilizados” por Ele na realização dos Seus propósitos soberanos em nosso viver cristão.

Concluímos com a oração de Paulo a respeito do comportamento dos colossenses: “que transbordeis no pleno conhecimento da sua vontade (de Deus), em toda a sabedoria e entendimento espiritual; a fim de viverdes de modo digno do Senhor, para o seu inteiro agrado, frutificando em toda a boa obra e crescendo no pleno conhecimento de Deus” (Colossenses 1:9b-10).

 

autor: Jayro Gonçalves.